segunda-feira, 4 de abril de 2016

A VIDA DEPOIS DE… DEIXAR A CADEIA E VIRAR ESTUDANTE DE DIREITO


COMPORTAMENTO

A VIDA DEPOIS DE… DEIXAR A CADEIA E VIRAR ESTUDANTE DE DIREITO

Raimundo Freitas foi preso várias vezes por roubo e formação de quadrilha e chegou a pegar 44 anos de prisão. Este ano, começou a graduação no curso de direito com uma bolsa de estudos integral

Felipe Menezes/Metrópoles
Fonte: CAROLINA SAMORANO - METRÓPOLES


Raimundo Freitas, 43 anos, nem se lembra quantas vezes foi preso. Fala baixo, manso. Menos por vergonha do passado que pela tranquilidade rara que conquistou a duras penas. A primeira vez que se encontrou com a lei foi aos 14 anos. Passou parte da vida preso, a outra cometendo crimes.
Até que a vida foi dando suas viradas. Hoje, já não dorme mais atrás das grades — paga os últimos anos de pena em regime domiciliar. Passa as manhãs e tardes como “faz-tudo” na sede da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). Pela noite, desde fevereiro, se dedica à faculdade de direito. Raimundo e a lei agora jogam do mesmo lado.
Ele nasceu em Manaus, palco dos seus primeiros erros, ainda menino. “Minha infância foi como a de toda criança que nasce no subúrbio, onde tem uma boca de fumo em cada esquina”, conta. Começou como aviãozinho, levando e trazendo droga. Dali a pouco estava cometendo pequenos furtos, em mercados e lanchonetes, para bancar o vício. Usou “todo tipo de droga”, menos heroína, ele diz. “Ia preso e logo saía”, lembra. Mal sabe quantas vezes. Quando fez 18 anos, “caiu no sistema” – o carcerário.
De primeira, foram dois anos preso, para depois voltar ao crime. Cheio de Manaus, subiu num ônibus sem muito destino nem propósito. Foi primeiro para Goiás. De lá, veio parar em Samambaia. Não tinha ninguém aqui. Nem família, nem amigo, nem emprego. Os pequenos furtos evoluíram a crimes a mão armada. Encontrou o sistema de novo, dessa vez por roubo e formação de quadrilha.

Lá era o dia inteiro de cabeça baixa. ‘Sim senhor’ e ‘não senhor’. O espaço é pequeno, a cabeça é pequena, às vezes você sorri para as pessoas, mas por dentro está cheio de ódio. A mente vai fechando."

Raimundo Freitas
Descartado
Foi num desses crimes que ganhou as quatro marcas de bala que hoje guarda como lembrança de outra vida. Foi para a “desova”. “Quando a polícia não aguenta mais te ver, ela te descarta”. Quer dizer, ela extermina. Ele tinha acabado de fazer um assalto, os companheiros foram para casa, guardou as armas, sentou em um boteco sozinho e ascendeu um baseado para relaxar.
Não demorou, a polícia dobrou a esquina. Encostou o carro e pediu que ele entrasse no porta-malas. Lhe tirou um relógio e o dinheiro. “Pensei que eles só iam me assaltar e me deixar ir. Mas quando abriram o porta-malas, vi que era um lugar escuro. Me jogaram no chão e consegui ver a arma apontada para a minha testa”. Raimundo usou o braço para se proteger e uma das balas entrou por ali. A outra, atravessou a bochecha e ficou alojada na nuca. “Eu estava todo ensanguentado. Ou me fingia de morto, ou dava o fora dali”. Escolheu a segunda opção. Saiu correndo, pulando muros, telhas, levou mais dois tiros. Nem isso foi suficiente para lhe convencer, na época, de que o crime não compensava.
Felipe Menezes/MetrópolesFELIPE MENEZES/METRÓPOLES
Nas temporadas esporádicas de liberdade, ele até tentou trocar de rumo, arrumar emprego. Sem estudo e nem experiência e com o “sistema” no currículo, no entanto, só achou portas fechadas. “A sociedade não dá oportunidade. Às vezes o preso quer mudar de vida, mas não tem vaga de trabalho. Aí ele vai reincidir no crime”, conclui. “O crime para mim sempre foi necessidade. Não luxo. Quando a necessidade bate…”
Ao todo, foram 4.380 dias dormindo e acordando na cadeia – 12 anos. A última vez que foi preso foi em 2008. De cabeça baixa, passou a levantar os olhos para observar os colegas que participavam de cultos evangélicos na prisão. Achou bonito os cantos, as orações. “Caiu em si”, ele acredita.
Não morri por ser esperto, foi por misericórdia de Deus mesmo."
Raimundo Freitas
A religião ascendeu em Raimundo uma luz num túnel que ele mal enxergava. Até então, não havia futuro nem outra vida que não um eterno ir e vir do crime para a cadeia. “Eu via os colegas fumando um baseado ali e ficava com vergonha de levar a Bíblia debaixo do braço. Eles riam, diziam que não ia durar. Eu dizia ‘Não, pô. Mudei mesmo. Não quero mais essa vida para mim, não’. Pedi a Deus para que eu não tivesse mais vergonha de carregar a Bíblia. Queria estudar de onde eu vim, para onde eu vou”.
Na mesma época, voltou a estudar. Começou da quarta série do ensino fundamental, lá mesmo, dentro do “sistema”. Em 2010, quando concluiu o ensino médio, prestou a prova do Enem, com boa pontuação. Quando conseguiu a progressão de pena, do fechado para o semiaberto e depois para o domiciliar, foi procurar emprego. Chegou a ser selecionado para duas vagas. Prestes a assumir o posto, no entanto, deu de cara com a porta. O motivo: ele ainda tinha pendências com a Justiça, pediram que voltasse quando quitasse a pena.
Felipe Menezes/MetrópolesFELIPE MENEZES/METRÓPOLES
Depois disso, passou a trabalhar na Funap. A fundação tem convênios com órgãos do GDF e aloca presos – os interessados preenchem uma ficha e passam por uma seleção – em serviços que vão de pintura de fachadas a manutenção de jardins, a depender da demanda. Hoje, são 871 pessoas na lista de espera. O convênio com uma faculdade é que é novidade.
A primeira seleção, com o Instituto Brasiliense de Direito Público, foi no ano passado. Eram cinco vagas para uma bolsa integral e 56 candidatos. Além do ensino médico completo, para concorrer os presos precisavam ter cumprido três quartos da pena e ter bom comportamento. O direito nunca foi exatamente um sonho na vida de Raimundo. Ele nunca teve muitos sonhos, na verdade.

Eu imaginava que ia tombar na vida, no crime. Não tinha planos, não tinha nada."

Raimundo Freitas
Quando surgiu a oportunidade do diploma, ele não teve dúvidas de que a agarraria. Ser aprovado, nas palavras dele, foi como ganhar “visão panorâmica” da vida. “Foi inacreditável. Uma pessoa que passou por tudo o que eu passei… Eu abracei. Disse ‘é meu alvo’”.
Felipe Menezes/MetrópolesFELIPE MENEZES/METRÓPOLES
As aulas começaram no final de fevereiro. As de ciência política são as favoritas. Até agora, o único contato que tinha tido com o mundo das leis foi com o Código Penal, com o qual, segundo ele, todo preso pega alguma afinidade, para cuidar da própria pena na cadeia. Fazem pedidos em papéis de pão ou papel branco. Foi assim que ele conseguiu uma comutação da sua pena, e reduziu um quarto do tempo da punição por bom comportamento.
Raimundo ainda deve cinco anos e três meses, mas espera conseguir o perdão da Justiça antes disso. O que ele lamenta é não conseguir o perdão daqueles que “fez sofrer” quando estava no crime. Pai de duas filhas – uma de 10 anos, nascida no sistema, e uma de 2 anos –, ele se esforça em mostrar para elas o caminho oposto ao que escolheu quando era mais novo. Faz 24 anos que não vê a mãe que ficou em Manaus, desde que saiu de lá. Aqui, valoriza a família. “Minha esposa é uma amiga, uma guerreira, companheira. Ela acreditou que eu podia mudar”.
Mais que leis e artigos, Raimundo aprendeu a sonhar. Além do diploma e de uma vida melhor para ele e para a família, ele quer escrever um livro sobre a sua vida, quem sabe fazer um documentário. Hoje, de vez em quando se reúne com outros ex-presidiários em igrejas, cada um conta sua história e como foi parar ali. Nos encontros, ele toca violão. A música preferia é a “Galhos secos”, da banda gospel Catedral: “Nos galhos secos de uma árvore qualquer/ Onde ninguém jamais pudesse imaginar/ O Criador vê uma flor a brotar”.

Comissão mista debaterá situação da população penitenciária feminina no País

Comissão mista debaterá situação da 


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O objetivo da audiência pública é conhecer os resultados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres); cidadão poderá participar por meio do Portal e-Cidadania e pelo Alô Senado

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Comissão mista debaterá situação da população penitenciária feminina no País
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A Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher promove, na terça-feira (5), audiência pública interativa para apresentar o primeiro relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, com dados sobre a população penitenciária feminina do País, chamado de Infopen Mulheres.
O relatório apresenta a evolução do número de mulheres presas, de 2000 a 2014. As estatísticas são apresentadas em termos nacionais e por estado. Além disso, a pesquisa também mostra a taxa de encarceramento feminino por grupo de 100 mil habitantes e o comparativo com outros países.

De acordo com o estudo, a população penitenciária feminina subiu de 5.601 detentas em 2000 para 37.380 em 2014, o que representa um crescimento de 567%. A taxa é superior ao crescimento geral da população penitenciária, que foi de 119% no mesmo período.
O relatório Infopen Mulheres traz o perfil das mulheres privadas de liberdade por escolaridade, cor, faixa etária e estado civil. O estudo mostra ainda o percentual de presas por natureza da prisão (provisória ou sentenciada), tipo de regime (fechado, semiaberto ou aberto) e de crimes pelos quais foram condenadas.
A audiência é aberta à participação da sociedade. O cidadão pode fazer perguntas, comentários e sugestões pelo Portal e-Cidadania e pelo Alô Senado (0800-612211).

CovidadosForam covidados para o debate:

  • diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato Campos Pinto de Vitto;
  • professora da Universidade de Brasília (UnB) Debora Diniz, e autora do livro "Cadeia: Relator sobre Mulheres";
  • jornalista Nana Queiroz, autora do livro "Presos que Menstruam: A brutal vida das mulheres - tratadas como homens - nas prisões brasileiras".
Outros itens da pauta
Além da apresentação dos resultados do levantamento Infopen Mulheres, a senadora Regina Sousa (PT-PI) apresentará as conclusões do Relatório de Avaliação de Políticas Públicas sobre o Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. Em seguida, haverá votação de requerimentos. A comissão mista tem como presidente a senadora Simone Tebet (PMDB-MS). A vice-presidente é a deputada Keiko Ota (PSB-SP) e a relatora é a deputada  Luizianne Lins (PT-CE).

A reunião está marcada para as 14h30, na sala 9, da Ala Senador Alexandre Costa, no Senado.

Fonte: CenatoMt.com

Saem à luz novas denúncias de tortura contra mulheres presas no Brasil

DIREITOS HUMANOS
01.04.2016

Saem à luz novas denúncias de tortura contra mulheres presas no Brasil

Dados preliminares do Programa de Prevenção e Combate à Tortura da Pastoral Carcerária denunciam a prática da tortura dentro de unidades prisionais do país. Mais da metade das denúncias acontece em unidades de prisão provisória, delegacias, presídios mistos ou no momento da prisão, e também atinge as mulheres.
Apesar de ter encaminhado denúncias a órgãos públicos, a Pastoral apurou que, no caso da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem (Estado de Minas Gerais), por exemplo, o Ministério Público do Estado não deu a devida atenção ao caso e arquivou a denúncia. Relatos de sessões de espancamento por vários agentes, sufocamento, pancadas e outras técnicas de tortura, inclusive contra mulheres, foram encaminhadas ao órgão, na ocasião. Segundo o levantamento da Pastoral, a Promotoria responsável pelo caso sequer visitou a unidade ou entrevistou os detentos.

reprodução

No caso das mulheres, a situação é ainda pior. De acordo com a irmã Petra Pfaller, coordenadora nacional para a Questão da Mulher Presa da Pastoral Carcerária, de modo geral, as mulheres presas estão em locais com piores condições do que os homens.
Para ela, a tortura vai além da prática de agressão física. "O que é tortura? É estar numa cela só com colchão, sem banheiro, só com um buraco no chão, sem banho de sol. Isto é tortura. Outra questão agravante é a dos filhos pequenos. Também é tortura não ter berçário digno, não tem presídio materno”, denuncia.
Embora a população carcerária feminina tenha crescido mais do que a masculina, nos últimos anos, o sistema prisional brasileiro ainda não está preparado para lidar com as mulheres presas. Segundo a coordenadora, o sistema penitenciário é feito por homens e para homens, que são a maioria da população carcerária. "Os gestores são homens, a visão machista é muito forte, então, as mulheres não têm voz”, analisa. Por isso, ela afirma que é necessário dar visibilidade à questão da mulher no cárcere, sobretudo, as que são mães.
No último dia 03 de março, a Pastoral Carcerária enviou uma denúncia de tortura e maus-tratos na Ala Feminina do Complexo Penal Dr. João Chaves, em Natal, Rio Grande do Norte, para as autoridades de justiça do Estado, após uma visita realizada ao presídio, no dia 16 de fevereiro deste ano. No relato, cerca de 20 mulheres estariam nas celas de castigo, chamadas chapa, numa ala escura e abafada, sem direito a banho de sol, sob condições degradantes e desumanas.

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"As instituições do Sistema de Justiça, infelizmente, têm atuado estruturalmente mais obstaculizando do que promovendo a apuração dos casos de tortura. Apesar de dois relatores da ONU [Organização das Nações Unidas] terem considerado tal prática como endêmica nas masmorras brasileiras, a regra da tortura continua sendo a subnotificação, já que a chance de qualquer responsabilização dos envolvidos ou reparação das vítimas é baixíssima”, comentao assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, Paulo Malvezzi.
Irmã Petra concorda que a maioria dos casos não é investigada, "no máximo, acontece um procedimento interno”. "A pesquisa da Pastoral Carcerária é uma amostra do que acontece no Brasil todo. Para provar que tem tortura é muito difícil, porque os presos têm medo”, afirma.
Com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e da OakFundation, o programa de combate à tortura da Pastoral Carcerária tem recebido denúncias e acompanhado casos de torturas, desde 2014, em todo o país. O objetivo de analisar como o sistema de justiça processa esses casos e o quanto a prática da tortura ainda está presente no sistema prisional e policial do Brasil. O relatório final do projeto será apresentado no mês de setembro de 2016.

Tatiana Félix

Jornalista da Adital