sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sistema carcerário: Uma ferida difícil de cicatrizar


Justiça interdita a 10.ª cadeia na região de Curitiba e litoral por causa da superlotação. Paraná tem 15,3 mil presos em delegacias


A interdição judicial da carceragem da Delegacia de Fazenda Rio Grande, na região de Curitiba (que tinha 104 presos em um espaço para 24), mexe em uma ferida difícil de cicatrizar no Paraná: a superlotação carcerária. A delegacia da cidade é a 10.ª da região da capital e litoral a ser impedida pela Justiça de receber presos. Para piorar a situação, na contramão do restante do país, o estado aumentou em 17% o número de presos em delegacias em 2010. Em junho do ano passado eram 13.108 detidos nas unidades de responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública do Paraná. O relatório do Ministério da Justiça afirma que, em junho deste ano, já havia 15.328 presos.

O número é quase um terço dos presos em delegacias de todo o Brasil. Mas o problema é ainda maior. Segundo a Comissão de Direitos Humanos da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), delegados informaram extraoficialmente à entidade que o número de detentos nas unidades policiais pode ter chegado a cerca de 18 mil, quase o número de presos condenados colocados no departamento penitenciário paranaense.

“Diante da necessidade e do aumento da criminalidade, não há outra solução. É preciso criar mais unidades”, afirma o ex-juiz corregedor dos presídios, Márcio Tokars. Seriam necessários construir pelo menos mais 15 unidades para presos provisórios (sem condenação) de forma imediata para desafogar as delegacias do estado. Outra al­­ternativa apontada pelo próprio juiz é a instalação definitiva da Defensoria Pública.

“Tem que se garantir o direito à ressocialização porque a reincidência é muito grande. Hoje qualquer investigação criminal começa dentro do sistema carcerário”, conta o magistrado, hoje no Tribunal de Justiça do Paraná. Embora seja urgente a construção de novas unidades, a resposta sobre como acabar com a exorbitante população carcerária de delegacias do estado passa por outras reflexões.

Presunção da inocência

Na opinião do professor titular de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná, Jacinto Nelson de Miranda Couti­nho, as prisões provisórias deveriam ocorrer de forma excepcional. De acordo com a Constituição Federal, todo mundo é inocente até que se prove o contrário. “Tem gente que está preso e não deveria estar na cadeia. Se ele não atrapalha o processo, não ameaça a ordem pública e não preenche requisitos para ficar preso, o próprio juiz que decretou a prisão deve revogar a decisão”, afirma.

Segundo o professor, é preciso criar mecanismos de vigia desses suspeitos. “Em geral, os juízes são bem intencionados e agem com esse rigor para ajudar a reduzir a criminalidade, mas não leva a nada. Essa atitude fomenta a criminalidade pelo desgaste que as prisões causam nos detidos”.

Para o advogado criminal Adria­­­­no Bretas, há uma banalização da prisão cautelar. “Por outro lado há a falta de estrutura das unidades carcerárias também. É necessário uma tomada de consciência sobre o caráter de excepcionalidade e o poder público tem que dar a estrutura para manter o preso”, comenta.

O juiz Tokars discorda dos dois advogados. “O juiz hoje só decreta prisão quando realmente é necessário”, ressalta. Ele exemplifica afirmando que, ontem, dos cerca de 30 habeas corpus que participou do julgamento, apenas um foi concedido em razão da fundamentação consistente das prisões. “Hoje os juízes são bastante liberais. Só prendem em caso extremo”.

Insalubridade

Apesar da interdição, a maioria das delegacias continua a receber presos, contrariando decisão da Justiça. A exceção é a Delegacia de Piraquara. Ontem, a Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR visitou o 11.º Distrito Policial (DP), na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). “Há dois meses tinha 27 presos aqui. Hoje há 90. No 12.º DP, há 15 dias, havia 143 e hoje são 170”, relata a presidente da Comissão, Isabel Kugler Mendes. Na avaliação dela, não adianta apenas construir cadeias. “Faltam políticas públicas. O número de presos sem advogados também é muito grande”, diz.

O secretário de estado da Justi­ça e Cidadania, José Moacir Fa­­vetti, explicou, por meio de nota, que foram colocadas 12 penitenciárias em operação na atual gestão do governo. Já A Secretaria de Estado da Segurança Pública foi procurada pela reportagem, mas preferiu não se manifestar sobre o assunto.


Com Defensoria, índice de presos em delegacias seria menor

Enquanto milhares de detentos vivem espremidos nas celas de delegacias aguardando por defensores públicos, a segunda discussão sobre a implantação da Defensoria Pública no Paraná foi adiada para 2011 na Assem­bleia Legislativa. Apesar da reserva de 0,27% do orçamento do ano que vem, os deputados adotaram uma postura de cautela na aprovação do projeto em razão do novo peso nas contas do estado em uma troca de governo. Porém o pedido de “tranquilidade” é, na realidade, o descumprimento de uma exigência prevista pela Consti­tuição Federal de 1988. Não há dúvidas, para especialistas, de que o índice de presos em distritos policiais seria menor se a Defensoria tivesse sido estruturada antes.

“A Defensoria Pública é a filha bastarda que o Paraná não quer reconhecer”, diz o professor Pedro Luciano Evangelista Ferreira, do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Posi­tivo. “A situação é urgente. A população carente, mais mi­­serável, não pode ficar à margem, sem assistência. Estados como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro têm excelentes defensorias”, opina Estevão Gutierrez Brandão Pontes, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção Paraná (OAB-PR).

Ambos ressaltam que os benefícios da instalação do órgão se estendem à sociedade como um todo. “A população tem ideia equivocada de que a Defensoria só defende detentos. No entanto, ela presta auxílio a qualquer cidadão que não tem condição de arcar com os custos de um advogado”, esclarece Ferreira.

Mutirão

Neste ano, o mutirão carcerário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concedeu benefícios de liberdade ou semiliberdade para 3.527 pessoas. “Às vezes, pessoas presas por pequenos delitos poderiam estar soltas, cumprindo algum tipo de medida alternativa para evitar a superlotação”, afirma Pontes. “Também nos preocupamos com os policiais e agentes penitenciários, que vivem em situação de perigo pela superlotação”, acrescenta.

Como consequência da inexistência de defensores, há uma forte demanda por atendimento nos Núcleos de Prática Jurídica e ONGs no Paraná. Ferreira diz que só neste ano 13 mil pessoas foram atendidas pelo núcleo. “Nós sentimos muito não poder atender a quem nos procura. Nossa agenda abre para o mês e se esgota em horas”, relata. A advocacia dativa – convênio entre o estado e a OAB para cadastrar advogados interessados em defender a população –, que seria outro meio de suprir a falta de assistência, ainda está em fase de implantação no Paraná. (VB e DR)

Fonte: Gazeta do Povo
Texto: Diego Ribeiro e Vinicius Boreki

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