terça-feira, 2 de agosto de 2011

Verba de presídios vira superávit

Governo federal não aplica em novas unidades prisionais toda a verba arrecadada pelo Fundo Penitenciário Nacional. Déficit de vagas chega a 170 mil

Quarenta anos. Esse é o tempo que o Brasil deverá levar para suprir o atual déficit de 170 mil vagas no sistema prisional. A previsão, apontada pelo Con­­selho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Admi­nis­­tração Peni­tenciária (Con­sej), leva em conta a disponibilidade de recursos no Fundo Peniten­ciário Nacional (Fun­pen) e o custo de construção da estrutura necessária para se receber um detento, que hoje chega, em média, a R$ 40 mil.

O cálculo, nada animador, re­­flete a política de liberação a “conta-gotas” dos recursos federais para a ampliação e modernização dos estabelecimentos prisionais. Des­de a sua criação, em 1994, o Fun­­pen arrecadou R$ 2,6 bilhões, mas a quantia não foi integralmente investida na construção de penitenciárias ou programas de formação educacional dos presos – historicamente, parte dos recursos são contingenciados pela União, para gerar superávit primário.

Nesse ano, 65,4% dos R$ 269 milhões disponíveis no orçamento do Funpen foram bloqueados e não poderão ser investidos nas finalidades previstas na criação do fundo. É o maior contingenciamento dos últimos 12 anos.

Custos

Se o bloqueio gera alívio econômico para as contas do governo, o custo social não parece próximo de ser diminuído. Somente entre 2006 e 2010, a população carcerária aumentou 37%, passando de 361.402 para 469.251 detentos. Mas a infraestrutura necessária não aumentou no mesmo ritmo. O crescimento no número de vagas no sistema prisional nesses quatro anos foi de 19%. Como resultado, presídios e delegacias superlotadas, que, consequentemente, geram uma série de outros problemas: policiais impedidos de investigar para fazer a custódia dos presos nas cadeias, alto risco de fugas e rebeliões e detentos submetidos a condições desumanas e tendo de conviver com outros criminosos de maior periculosidade dentro das carceragens.

Alto custo

A própria natureza estrutural do sistema prisional, em que a construção de uma penitenciária nos moldes preconizados pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Peni­ten­ciária pode variar de R$ 15 milhões a R$ 20 milhões, agrava o problema. Em razão do alto custo e do orçamento escasso, os estados são compelidos a fazer uso dos recursos do Funpen, principalmente quando o assunto é financiamento de vagas, equipamentos de segurança e assistência aos detentos.

“Ano passado, a verba efetivamente disponível pelo Funpen para todo o país chegou somente a R$ 90 milhões. Com isso, não se consegue fazer nada. Além do custo da construção, há todo o custo administrativo, que também precisa de investimentos”, afirma o presidente do Con­selho Peni­tenciário do Paraná, Dálio Zippin Filho. A liberação dos recursos ocorre mediante iniciativa dos estados, que precisam apresentar projetos ao Ministério da Justiça.

Investimentos

Somente no Paraná os recursos do Fundo Penitenciário viabilizaram nos últimos 15 anos a construção de oito unidades penais, entre centros de detenção e penitenciárias. Ano passado, porém, quando o contingenciamento do fundo chegou a R$ 162,4 milhões, somente R$ 24,3 mil foram repassados ao estado. Em todo o país, os investimentos do Funpen chegaram a R$ 90,4 milhões em 2010, sendo que o orçamento inicial previsto ultrapassava os R$ 250 milhões. Os estados que mais receberam recursos foram, respectivamente, Bahia, Mato Grosso do Sul e Acre.

Conselho quer rever normas para construção

A previsão de quatro décadas para suprir o atual déficit do sistema prisional é parte dos argumentos apresentados pelo Conselho Nacional dos Se­­cretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej) para a revisão dos critérios de construção dos estabelecimentos penais. A Co­­missão de Arquitetura Pri­sio­nal do Consej está fazendo es­­tudos técnicos para propor re­­visões nas diretrizes do Con­­selho Nacional de Política Cri­­minal e Penitenciária, visando a diminuição do custo/vaga, que hoje chega, em média, a R$ 40 mil.

Um dos aspectos discutidos diz respeito à metragem das celas, que é a mesma tanto para penitenciárias quanto para cadeias públicas (onde os detentos, em teoria, são mantidos provisoriamente). Por outro lado, não há critérios específicos para o grau de automatização e segurança dos estabelecimentos, o que gera projetos apresentados com custos bastante diversos por vários estados.

“Essa discussão é importante agora para estabelecermos exatamente os ambientes, as metragens e os requisitos ne­­ces­­sários na construção das unidades. Sem perder a característica de segurança e, os es­­paços de educação e ressocialização, sabemos que é possível reduzir esses custos”, afirma a relatora da Comissão de Ar­­quitetura Prisional do Consej e secretária de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná, Maria Tereza Uille Gomes.

Otimização

Segundo a secretária, estudos premilinares mostram que o custo de R$ 40 mil por vaga poderia ser reduzido pela metade. Para ela, a preocupação maior não está voltada agora para a liberação dos valores contingenciados no Fundo Penitencial Nacional (Funpen), mas sim à “otimização dos recursos públicos”.

O que é

O Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) tem como principal finalidade proporcionar recursos para financiar a modernização e o aprimoramento do sistema penitenciário brasileiro.

Origem

O Funpen existe desde 1994, criado pela Lei Complementar 79 e regulamentado no Decreto Federal 1.093.

Arrecadação

O fundo é constituído por recursos do orçamento da União, custas judiciais, arrecadação de concursos de prognósticos (loterias), recursos confiscados ou provenientes da alienação de bens perdidos em favor da União Federal, multas decorrentes de sentenças penais condenatórias e fianças quebradas ou perdidas.

Finalidade

Os recursos do Funpen devem ser aplicados na construção, reforma e ampliação de estabelecimentos penais, aperfeiçoamento do serviço penitenciário, aquisição de equipamentos e veíclulos para as unidades penais, formação educacional e cultural dos detentos e programas de assistência jurídica aos presos.

Repasse

Os recursos podem ser repassados para secretarias estaduais, prefeituras, conselhos municipais e instituições privadas sem fins lucrativos, por meio de convênios ou contratos de repasse. No caso do poder público, normalmente há contrapartida financeira nos projetos.

Solução

Penas alternativas são a saída

Apesar do déficit de 170 mil vagas e a consequente superlotação nas penitenciárias e delegacias de todo o país, entidades como a Pastoral Carcerária Nacional e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendem que a construção de novas unidades prisionais não deve ser vista como a melhor ou única solução para melhorar as condições de detenção e ressocialização dos presos. Para a vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR, Isabel Kluger Mendes, é preciso se antecipar à prisão em si e prevenir os motivos que levam, principalmente os jovens, à criminalidade.

A avaliação encontra respaldo em um levantamento feito pela OAB-PR em delegacias do Paraná, estado que, segundo estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional, possui mais detentos mantidos em carceragens no país – em abril, eram 16,6 mil presos para apenas 6,1 mil vagas. Conforme dados apurados nas delegacias e com os próprios detentos, 95% dos delitos têm origem direta ou indireta nas drogas. Além disso, grande parte da população carcerária das delegacias tem entre 18 e 23 anos e menos de 15% completou o ensino fundamental. “É preciso investir em educação. Não adianta abrir novas vagas [no sistema prisional]. Se continuar assim, quanto mais vaga abrir, mais vai ter gente para preencher”, resume a advogada da OAB.

“Proposta falida”

O assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, José de Jesus Filho, também defende o fortalecimento de penas alternativas, como a prisão domiciliar, para pessoas que cometeram delitos leves ou são réus primários. Ele reconhece, porém, que tais medidas ainda encontram resistência em boa parte da sociedade brasileira, que ainda acredita na máxima de que “lugar de bandido é na cadeia”.

“Para a população, a única resposta é a prisão. E essa é uma proposta falida, porque não ajuda a sociedade e não ajuda a pessoa que cometeu o crime, que volta pior”, defende o assessor da Pastoral.

Fonte e Info: Gazeta do Povo
02/08/2011 00:01
Rafael Waltrick

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