terça-feira, 26 de junho de 2012

Muito detento para pouco presídio

Mesmo que cumpra o plano de abrir 6.348 vagas em penitenciárias até o fim de 2014, o Paraná ainda terá o maior número de presos em delegacias do país

A superlotação nas cadeias da Polícia Civil no Paraná não será resolvida a curto ou médio prazo. Mesmo que o governo entregue as 6.348 vagas em penitenciárias e prisões provisórias previstas até o fim da gestão Beto Richa, o estado continuará a ter a maior população carcerária em delegacias do país.
Hoje são 13.174 detentos abrigados em distritos ou subdivisões policiais (3.874 já condenados) – mais que o dobro da capacidade projetada para as cadeias (6 mil). Ou seja, 6.826 ainda permaneceriam sob a custódia de policiais. A Secretaria de Estado da Segurança Pública estima que um quarto do efetivo da Polícia Civil (mil dos 4.052 servidores) cuide de presos, em um evidente caso de desvio de função.

Demora
Inaugurada há um mês, Colônia Penal de Maringá continua vazia

Inaugurada há um mês, a Colô­­nia Penal Industrial de Maringá (CPIM), uma penitenciária de regime semiaberto, ainda não recebeu nenhum preso. O local com capacidade para 330 pessoas foi construído para receber presos das regiões de Maringá e Londrina. Já a Penitenciária de Cruzeiro do Oeste, também no Noroeste do estado, começou a ser ocupada na última semana depois de permanecer dois meses vazia. Trinta detentos da Delegacia de Umuarama foram transferidos para lá e a previsão é de que até a próxima sexta-feira, 160 detentos ocupem 23% da capacidade do presídio, que pode abrigar 720 detentos. No total são 1.050 vagas carcerárias que, apesar de disponíveis, até agora não foram totalmente preenchidas.

De acordo com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná, a unidade de Maringá também deve receber os primeiros presos­­ até a próxima sexta-feira. Inicial­­mente, a Colônia Penal irá receber 94 presos, menos de um terço da capacidade (330),
O diretor da CPIM, Jaycler Mar­­ques da Silva, explica que a transferência ainda foi não iniciada por causa de ajustes estruturais da obra, como problemas de infiltração, que já foram resolvidos. “Agora é apenas uma questão burocrática, já que a administração e o alojamento estão prontos para receber os presos”, diz. Silva afirma que os presos que serão transferidos estão na Penitenciária Estadual de Maringá.

Nos meses em que a Colônia Penal de Maringá e o Presídio de Cruzeiro do Oeste permaneceram inutilizados, dezenas de agentes penitenciários concursados ficaram no local sem exercer o trabalho para o qual foram designados. De acordo com o diretor da CPIM, os agentes, divididos em três turnos diferentes, ajudam na parte administrativa e na fiscalização das obras enquanto aguardam a chegada dos presos.

Outras três unidades penitenciárias foram reformadas e ampliaram sua capacidade neste ano. A velha delegacia da Lapa virou um Centro de Regime Semiaberto; a Penitenciária Central do Estado ganhou uma nova ala; e a Cadeia Pública Laudemir Neves, em Foz do Iguaçu, ganhou uma nova estrutura.
Tatiane Salvatico, da Gazeta Maringá
Em março, o governador assinou um decreto que estabelece como meta transferir 8.534 presos de delegacias para unidades prisionais da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) até o fim de 2013. Mas, na prática, a medida é de difícil aplicação.

O diretor do Departa­mento Penitenciário do Pa­raná (Depen), Maurício Kuehne, acredita que o esvaziamento completo das car­ceragens policiais ocorrerá daqui a pelo menos seis anos. “Até lá vamos ter uma média de 5 mil presos em delegacias. É um processo lento, que não se resolve do dia para a noite”, afirma.

Para o professor de Direito André Giamberardino, membro do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a raiz do problema é justamente o fato de o Paraná ter duas secretarias para tratar do mesmo assunto. “O ideal era que uma secretaria assumisse a responsabilidade sobre os presos. Pela lei é inadequado manter um preso, seja condenado ou provisório, em delegacias”, afirma.

Kuehne diz que o objetivo é que a Seju assuma toda e qualquer custódia de detentos. “Com isso, as carceragens que hoje estão à cargo da Sesp ficarão sob nossa responsabilidade.”

Espaço apropriado

Segundo Giamberardino, hoje não há espaços apropriados para manter presos provisórios e temporários no estado. “Se não há vaga suficiente, deixa a pessoa esperando abrir vaga sob custódia em casa e não em um lugar superlotado”, opina.

O coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da UFPR, Pedro Bodê, concorda que delegacias não servem para abrigar presos. “O preso deve ficar na delegacia por um breve período, até o fim das oitivas, por exemplo, e depois ser transferido para um local adequado.”

Porém, ele acredita que a simples abertura de novas vagas será insuficiente para sanar a questão. “À medida que se criam vagas, logo essas já estarão ocupadas. Esse não é o melhor caminho a seguir. Deve-se usar a carceragem só em casos mais graves, mas isso demanda uma mudança de mentalidade na população [que pressiona por mais prisões]”, afirma.

A Lei 12.403, de julho de 2011, determina que pessoas detidas por crimes com penas inferiores a quatro anos não fiquem presas antes da condenação. A mudança permitiu que os juízes tivessem mais opções de medidas cautelares – não apenas a prisão em regime fechado. Desta forma, a já inchada estrutura carcerária brasileira passou a receber menos detentos, mas a medida não foi suficiente para resolver o problema da superlotação, pelo menos no Paraná.

Superlotação

Situação na cadeias públicas é desumana, segundo a OAB

A situação nas carceragens de delegacias do Paraná é caótica, segundo a vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – seção do Paraná, Isabel Kugler Mendes. Ela relata situações de abuso sexual, transmissão de doenças como aids e tuberculose, e de presos que não tomam banho de sol há mais de três anos. O caos resulta de um velho problema no sistema carcerário brasileiro: a superlotação.

Os presos trancafiados em delegacias e subdivisões policiais chegam a passar fome e não têm nem lugar para dormir, relata Isabel. “Há delegacias em que os presos estão comendo menos do que deveriam. Cada marmitex deveria ter pelo menos 600 gramas, já que são apenas duas refeições por dia. Mas a média de cada marmita é de 350 gramas”, diz.

Ela revela que nas carceragens de Curitiba apenas uma, a do 9º Distrito Policial, tem espaço para banho de sol. “Nem a luz do sol os outros presos têm direito. Isso é desumano. Muitos dormem no cimento por não ter colchão.”

Interditadas

Em todo o estado, segundo a Secretaria de Segurança Pública, 20 cadeias superlotadas estão interditadas judicialmente, ou seja, não podem mais receber detentos.





Fonte: Gazeta do Povo
Publicado em 26/06/2012 | Diego Antonelli

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