segunda-feira, 11 de junho de 2012

SISTEMA PENAL: REGIÃO NORDESTE

Região Nordeste: desorganização, violência e horror nos presídios


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**


O nordeste brasileiro possui nove estados, os quais, juntos, totalizam o número de 86.571 presos (de acordo com os números divulgados pelo DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, em junho de 2011).

Oito desses estados tiveram suas unidades prisionais visitadas pelo Mutirão Carcerário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, quais sejam Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.

O cenário encontrado nas prisões nordestinas foi de total precariedade, onde o que prevalece é o domínio dos presos sobre os presídios, seja de forma violenta ou até mesmo com o consentimento do Estado. No Nordeste, a omissão do Executivo e a desordem judiciária abrem espaço para a barbárie e o horror (Veja o Relatório do Mutirão na íntegra).

No Alagoas, por exemplo, 62% dos presos são provisórios e faltam agentes penitenciários. Em um dos estabelecimentos, um dos detentos encontrava-se preso por um ano, seis meses e 21 dias a mais do que sua pena fixada. Em outra unidade, somente em 2009, ocorreram nove mortes e foram encontrados 100 celulares.

Na Bahia, 3º estado mais encarcerador do país, em sua maior penitenciária, construída na década de 50, os presos dormem no chão e um preso teve sua perna gangrenada por falta de atendimento médico. Na unidade feminina, as presas esperam de seis meses a um ano e meio para serem levadas à primeira audiência. Em outro presídio, a água fica disponível para os detentos apenas por 15 minutos ao dia.

No Ceará, por sua vez, os presos possuem armas de fogo dentro das prisões. Em um dos estabelecimentos, somente em 2007 foram registrados 18 homicídios. Em 2009, a colônia agrícola do estado chegou a abrigar quase 14 vezes mais detentos do que sua capacidade. Há ainda presos que cumprem pena superior à que lhes fora imposta e detentos que a justiça não sabe sequer onde estão detidos.

Já no Maranhão, em uma das unidades, 224 presos ocupam um espaço repleto de lixo e restos de comida, destinado, na verdade, para 85. Entre 2010 e 2011 foram registradas 43 mortes em um dos presídios do estado, onde ocorrem decapitações de detentos, que depois de mortos, têm suas cabeças penduradas nas grades. Até um olho humano já foi jogado para fora das celas como forma de negociação.

A Paraíba carece de três mil vagas em seus estabelecimentos penais. Em um dos presídios, os presos fazem uso da mesma água que desagua no esgoto. Em outra unidade, o fornecimento de água ocorre por apenas 8 horas ao dia. Em mais uma, um dos presos cumpria o dobro da pena que lhe fora imposta.

Em Pernambuco, os próprios presos possuem as chaves das celas, comercializam comida e controlam quem entra e quem sai. Um dos detentos, em geral processado por homicídio, recebe um salário do Estado para impor ordem aos demais. Em um dos estabelecimentos, foram encontrados 2.363 presos num local planejado para 426. E, 85% dos 18,3 mil processos analisados pelo Mutirão não continham o cálculo da pena dos presos.

No Piauí, 72% dos presos são provisórios, a superlotação chega a ser de 2 a 3 presos por vaga e muitos detentos encontravam-se submetidos a prisões ilegais. No judiciário, faltam varas criminais especializadas no interior, e nas demais não há controle sobre os processos criminais, nem prioridade para os acusados presos.

Finalmente, no Rio Grande do Norte, um ato do Executivo transformou as antigas delegacias de Polícia em Centros de Detenção Provisória, sem qualquer reforma ou adaptação. Em uma das unidades, crianças recém-nascidas ficam presas junto com as mães em celas comuns e superlotadas. Em outra delas, convivem detentos comuns, doentes mentais e devedores de pensão alimentícia.

Também no Nordeste, como se vê, o caos e a ilegalidade são marcas de seus sistemas carcerários. A precariedade atrelada ao descaso registra um total abandono por parte de suas respectivas autoridades.

Comentários do Professor Luiz Flávio Gomes:

No “Informe sobre os direitos humanos das pessoas privadas da liberdade nas Américas”, divulgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no dia 10.05.12, constatou-se a absoluta inadequação da estrutura física dos presídios (em geral), o que acabou gerando 360 mortes no presídio de Comayagua, em Honduras. Tal como ocorre também no Brasil (vide acima um rápido retrato da região nordeste), lá havia distinção entre os presos privilegiados (que contam com celas melhores, onde recebem visitas familiares) e os não privilegiados (que são depositados em lugares inóspitos e insalubres). De acordo com a inspeção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos as autoridades carcerárias de Honduras foram “manifestamente negligentes”. Aliás, essa mesma negligência se constata em relação aos presídios brasileiros. Grande parte dos presídios das Américas não contam “monitoramento e fiscalização”, imperando-se a “arbitrariedade e a corrupção”. Os presídios das Américas são violadores dos direitos humanos e definitivamente “não cumprem sua função de ressocialização do preso à sociedade”. Superpopulação, deficiências estruturais e arquitetônicas e altos índices de violência e de corrupção, para além da falta de controle que deveria ser exercido pelo Estado, são a marca registrada desses estabelecimentos penais. Para não ir longe, basta ler (acima) o que sintetizamos sobre os presídios da Região Nordeste do Brasil.

Do citado Informe (publicado em Washington, pela OEA) ainda consta que “o emprego da tortura para fins de investigação criminal” e o “uso excessivo da força e da prisão preventiva” são outros dados negativos constatados. Os grupos vulneráveis, incluindo-se neles os presidiários (e também se poderia estender às vítimas), são os mais afetados, não existindo programas laborais e educativos nos presídios, que são governados pela violência e pela corrupção.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no blogdolfg.com.br, no twitter: @professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.

**Advogada e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes

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