quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Direitos do preso



É essencial para falar em direito dos presos indagar porque o Estado está autorizado a prender pessoas, isolando-as da sociedade em presídios, cadeias etc?

O que autoriza o Estado a cumprir pena, privando de liberdade alguns dos seus membros é a necessidade de proteção de determinados bens que são considerados essenciais para a convivência pacífica em sociedade.

Esses bens são chamados de bens jurídicos. É de se imaginar que para que um bem possa autorizar a privação da liberdade, pela prisão, de um membro da sociedade esse bem deve ser muito importante. Não é qualquer coisa que pode justificar tamanho custo humano.

Pois bem, os bens jurídicos que merecem proteção e que se de alguma forma desrespeitados podem ensejar a prisão estão descritos na Constituição Federal (vida, liberdade, privacidade etc). e só podem ser objeto de proteção do direito penal quando existe uma clara necessidade social.

Os bens jurídicos são, portanto, valores constitucionalmente protegidos que podem ser definidos como bens essenciais do ser humano que possibilitam sua plena realização e desenvolvimento em sociedade e que facilitam ou asseguram a participação social livre e igualitária.

O direito penal, por sua vez, diante desses valores descritos na Constituição, tem por função exclusiva intervir apenas quando for necessário para a conservação ou manutenção da convivência pacífica dos cidadãos, para garantir-lhes a liberdade: só se pode punir lesão ao bem jurídico se isso for imprescindível para a convivência em comum, no Estado democrático de direito cabe ao direito penal a proteção dos cidadãos.

É tarefa do direito penal resguardar as condições elementares para a convivência social e a auto-realização do homem em sociedade. Num direito penal que tem por limite os princípios constitucionalmente consagrados, a prisão só pode ocorrer onde houver e necessidade de aplicação de pena para a proteção de bens jurídicos relevantes e do próprio indivíduo.

O direito penal tem a função de assegurar a liberdade de todos os cidadãos, minimização da violência e o arbítrio punitivo e maximização da tutela dos direitos, da liberdade e da segurança dos cidadãos.

No Estado democrático de direito o Estado está a serviço dos cidadãos. Por ter a pessoa como objeto principal de proteção, o Estado de direito é incompatível com qualquer proposta de diminuição de garantias e o direito penal só deve servir para limitar a violência.

No entanto diminuir a violência é fazer prevalecer sobre a prisão a liberdade; sobre a necessidade de cumprir pena as garantias individuais. Daí surgem os direitos do preso no estado democrático de direito, no qual o cumprimento da pena não pode implicar jamais na perda ou minimização dos direitos fundamentais.

É porque não podem ser minimizados que da vigência dos direitos fundamentais deriva a obrigatoriedade de sua proteção pelas autoridades administrativa e judiciária. Daí decorre que já não é mais possível afirmar que, no âmbito da relação penitenciária, haja uma relação especial de sujeição ou que o preso seja visto como alguém sujeito a uma relação especial de poder. O que há é uma pessoa sujeita a meras 'regras especiais' que não atingem a titularidade dos direitos fundamentais. Essas regras especiais implicam em direitos e deveres recíprocos, do preso e da administração e os direitos fundamentais, como direitos inerentes a todos os cidadãos, só podem ser limitados, em razão dessa relação, excepcionalmente, nos casos expressamente previstos em lei, quando a limitação for imprescindível para alcançar um dos fins assegurados pela ordem valorativa da Constituição. Assim, essa relação entre preso e administração só pode ser interpretada com fins garantistas e os direitos fundamentais dos reclusos não podem ser minorados ou abrandados em razão de sua situação jurídica. O preso mantém o direito à divergência, à discordância, ao não acatamento de ordem que afete seus direitos individuais não atingidos pela sentença, mantém, enfim, sua cidadania.

A administração penitenciária tem o dever de respeitar os direitos fundamentais dos reclusos de forma a assegurar o exercício de todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei e a esse dever corresponde a obrigação do preso de respeitar as normas do regimento interno reguladoras da vida do estabelecimento. No entanto, anote-se, intolerável é qualquer forma de arbitrariedade por parte da autoridade administrativa e as finalidades de não-dessocialização e de harmônica integração social do preso, devem guiar as medidas que se adotem durante o cumprimento da pena.

Por fim e em última instância à autoridade judicial cabe garantir os direitos dos presos e faze-los cumprir pelo sistema penal e penitenciário Ao poder judiciário cabe fazer o controle externo dos atos da administração, faz parte de seu dever de zelar pelos direitos individuais do preso e pelo correto cumprimento da pena.

Cumpre ao direito penal controlar a violência do poder, sua intolerância, irracionalidade e autoritarismo. No Estado democrático de direito, o direito penal não convive com respostas igualmente violentas, pois, como já referido, o que o legitima é a vinculação ao estrito respeito aos princípios consagrados formalmente na Constituição.

Ao preso são assegurados todos os direitos não afetados pela sentença penal condenatória e seus direitos só podem ser limitados excepcionalmente nos casos expressamente previstos em lei. E a lei de execução penal prevê expressamente as ocasiões em que os direitos podem sofrer limitação dentro do presídio

Os presos têm, portanto, assegurado tanto pela Constituição Federal, quanto pela Lei de Execução Penal seu direito de à vida, à dignidade, à liberdade, à privacidade etc.

O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determina os contornos de todos os demais direitos fundamentais. Quer significar que a dignidade deve ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. A prisão deve dar-se em condições que assegurem o respeito à dignidade.

No que tange aos princípios e garantias constitucionais podemos dizer que o princípio da legalidade assegura que os presos só podem ter restrições de direitos quando previamente previsto em lei. Os condenados mantém os direitos não atingidos pela sentença penal condenatória. A legalidade assegura ao sentenciado a liberdade – no âmbito da existência e não atingida pela sentença – de pensamento, união familiar, privacidade etc.

O princípio da igualdade garante igualdade aos presos no que diz respeito aos direitos fundamentais. Garante respeito às diferenças e determina que todos devem ser feitos tão iguais quanto possível quando a desigualdade implicar em prejuízo de alguns. A igualdade também assegura o direito de ser diferente, de não se submeter a tratamento de modificação de personalidade e proíbe discriminação de tratamento, dentro ou fora do presídio, em razão de especial condição seja de ordem social, religiosa, racial, político-ideológica

O princípio da individualização da pena assegura que a pena seja aplicada àquela pessoa individualmente considerada, de forma a possibilitar o livre desenvolvimento da sua personalidade individual e que deve haver proporção entre ação e reação, entre gravidade do crime e gravidade da pena e que a pena deve ser cumprida dentro do marco constitucional de respeito à dignidade do sentenciado e não em função dos anseios sociais de punição.

Para os presos o princípio do devido processo legal garante que durante o cumprimento da pena seus pedidos sejam apreciados e julgados por juiz natural e imparcial, que seja garantido o contraditório com produção de provas, a ampla defesa com assistência técnica indispensável, que as decisões sejam fundamentadas para proporcionar análise por outras instâncias, o direito a um processo sem dilações indevidas, eqüitativo, com igualdade de tratamento e de armas.

A humanidade da pena determina que o homem não pode ser tratado como meio mas como fim, como pessoa, o que impõe limitação a quantidade e à qualidade da pena e, consequentemente, o respeito à vida e a proibição de penas cruéis ou degradantes, incluído o rigor desnecessário e as privações indevidas impostas aos condenados. Aos condenados à pena privativa de liberdade deverão ser propiciadas as condições para uma existência digna, velando-se por sua vida, saúde e integridade física e moral.

A humanidade da pena assegura ainda o direito de cumprir pena perto dos familiares, à intimidade, à privacidade, à liberdade de expressão e ao sigilo da correspondência.

Na Lei de Execução Penal (LEP) são, principalmente, os artigos 41, 42 e 43 que descrevem, obviamente sem pretensões esgotar o assunto, direitos dos presos.

Inicia-se com a garantia de respeito devido por todas as autoridades à integridade física dos condenados e presos provisórios (art. 40 da LEP).

Segue o art. 41 da LEP estabelecendo desde direitos elementares que devem ser assegurados aos que estão sob a responsabilidade do Estado, como direito à alimentação, vestuário, educação, instalações higiênicas, assistência médica, farmacêutica e odontológica; como direitos que tem por finalidade tornar a vida no cárcere tão igual quanto possível à vida em liberdade. Entre estes direitos estão a continuidade do exercício das atividades profissionais, artísticas e desportivas anteriores à prisão, desde que compatível; assistência social e religiosa; trabalho remunerado e previdência social, proporcionalidade entre o tempo de trabalho, de descanso e de recreação; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura, e de outros meios de informação.

Ainda, no mesmo artigo estão descritos direitos que visam assegurar a defesa dos interesses do preso em razão da prisão. Entre eles podemos citar a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; assistência jurídica; entrevista pessoal e reservada com o advogado; chamamento nominal; igualdade de tratamento; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito.

Devem ainda ser destacados o direito do maior de sessenta anos e da mulher de ficarem em prisões adequadas a sua condição pessoal; das mulheres de ficarem presas em estabelecimentos que contem com berçário para que possam amamentar seus filhos; de todos os condenados de cumprirem pena em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados e que contenha dormitório, aparelho sanitário e lavatório, com condições de salubridade adequadas á existência humana.

Importante ressaltar, mais uma vez, com o art. 3º da LEP, que ao condenado estão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.


Carmen Silvia de Moraes Barros
Defensora Pública do Estado de São Paulo
Especialista em direito do estado e mestre em direito penal pela faculdade de direito da universidade de São Paulo

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