terça-feira, 5 de outubro de 2010

Falta de padrão e cadastro nacional emperram Justiça

CNJ busca alternativas para uniformizar e garantir agilidade à execução penal no país. Paraná é um dos estados com mais ações criminais.


Campeão nacional com mais de 63 mil sentenças criminais sendo cumpridas nos regimes fechado, semiaberto e aberto e através de penas alternativas, o Paraná também ocupa o quarto lugar em casos pendentes de execução penal no país. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são quase 92,5 mil penas privativas e não privativas de liberdade já proferidas e ainda aguardando andamento e que a qualquer momento podem se juntar aos outros 21,3 mil novos processos recebidos somente no ano passado pelas varas de execução penal (VEPs) da Justiça Estadual.

“O número de processos aos quais se dá andamento ainda tem sido insuficiente para desafogar o Judiciário”, aponta o juiz Roberto Massaro, do Tribunal de Justiça do Paraná e um dos membros do grupo de trabalho permanente de execução penal instituído pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, Cezar Peluso. “O Paraná é um dos três estados com o maior número de ações criminais e também um dos mais atuantes. Mas, a partir de um determinado momento, não consegue dar a mesma vazão aos processos.”
 
Um dos entraves, afirma o auxiliar da presidência do CNJ, Luciano Losekann, está no sistema de registro de processos adotado no Paraná. “Cada condenação, seja pelo mesmo crime ou outro delito cometido por uma mesma pessoa, gera um novo número de cadastro. Isso, além de dar a falsa ideia de um número até duas vezes maior de condenados, faz com que o estado se perca, levando ao excesso de prazos.” O ideal, sugere, é a criação de um cadastro único e interligado com todos os estados.

Quanto ao volume de sentenças ainda pendentes de execução, Losekann explica que até se chegar à sentença condenatória definitiva existem muitas possibilidades de recurso. Isso faz com que os casos se arrastem por anos. “São poucas as situações em que o acusado responde ao processo preso. Muitos somem nesse tempo, e quando o caso é concluído e se passa à fase de execução penal, não há como ser cumprida. Não basta a sentença, é preciso cumprir todos os requisitos para que seja executada e acompanhada.”

Durante os mutirões carcerários que há dois anos percorrem o país, foram identificadas algumas falhas comuns, como a falta de padronização de procedimentos simples, o que leva ao excesso de formalismo e à consequente demora na conclusão dos processos. “Hoje existe uma confusão generalizada de conceitos. O que se fala em São Paulo não é entendido no Amapá e vice-versa. Um pedido de liberdade muitas vezes demora meses para ser cumprido porque quando chega ao destino esbarra na nomenclatura do procedimento”, diz o juiz auxiliar Márcio Keppler.

Para que se diminuam essas disparidades, caberá ao grupo encontrar alternativas, orientar e dar agilidade à rotina das varas criminais e de execução penal de todo o país, lotadas com mais de 8 milhões de processos em tramitação. Uma das primeiras metas será a uniformização dos procedimentos da execução penal. “Pretende-se estabelecer regras que levem em conta as sugestões feitas por quem lida com essas questões no dia a dia, de baixo para cima, não de cima para baixo como atualmente acontece”, adianta.

Algumas das sugestões que já vêm sendo estudadas pelo CNJ é a criação de um cadastro nacional de condenados e de mecanismo de controle da prescrição das penas, a implementação do processo eletrônico em todas as comarcas do país e a adoção da videoconferência e da documentação audiovisual dos depoimentos. “Assim, os casos poderão ser julgados em um prazo razoável. Todas as informações, ou boa parte, estarão disponíveis em um único lugar. Isso afasta também o risco de erro”, observa Keppler.

O grupo criado em agosto ainda deve definir de que forma dará continuidade à força-tarefa que em dois anos revisou 156.708 processos, desafogando parte do Judiciário. No período, foram concedidos benefícios a 41.404 condenados. Desses, 23.915 deixaram a prisão, passando a cumprir o restante da pena em regime domiciliar ou sob condicional. No Paraná, o mutirão analisou 21.437 processos e beneficiou 3.527 presos. A próxima visita ao estado deve acontecer neste mês.

Box: Defensoria pública - 83% não podem pagar advogado



Com a sanção da Lei 12.313, em agosto, a presença da Defensoria Pública nas unidades penitenciárias passou a ser obrigatória. Ainda com o serviço restrito apenas à capital, o Paraná contorna a situação mantendo, nas penitenciárias de responsabilidade da Secretaria de Estado da Justiça, profissionais contratados para cumprir esse papel. No Centro de Detenção e Ressocialização (CDR) de Foz do Iguaçu, dos cerca de 860 detentos, ao menos 600 dependem exclusivamente da assistência jurídica prestada pelos dois advogados da unidade.

Segundo a presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, Luciane Ferreira, a maioria dos presos no Paraná não tem condições de pagar um advogado. No país, a média chega a 83% dos casos. “É função da Defensoria Pública garantir a eles o cumprimento dos prazos processuais e, se condenados, o correto acompanhamento da pena. Benefícios como progressão de regime e remição da pena precisam ser pedidos ao juiz por um advogado, senão dificilmente são concedidos.”

Na prática, aponta o diretor do CDR, Alexandre Calixto, se todos os estados contassem com uma Defensoria Pública instituída e atuando como a lei prevê, a população carcerária brasileira poderia ser reduzida em até 30%, com efeitos também sobre o Judiciário. “Não é o que acontece e os presos acabam ficando mais tempo do que deveriam, aumentando a superlotação prisional e impedindo que o volume de trabalho das varas de execução penal seja reduzido. Os processos não andam e vão se acumulando”, observa.


Convênio ajudará a ressocializar o preso

Convênio firmado mês passado entre o Ministério Público do Paraná (MP-PR) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve ampliar as ações de ressocialização de presos e egressos do sistema penitenciário desenvolvidas no estado. As parcerias criadas através do projeto “Construindo a Esperança”, do MP-PR, serão integradas ao “Começar de Novo”, do CNJ. Até o final do ano, estima-se que sejam ofertadas mais de 10 mil vagas de emprego em todo o país, além dos cursos de capacitação.

As duas iniciativas disponibilizam por meio de cooperação com empresas públicas e privadas oportunidade de qualificação de mão-de-obra e de reinserção no mercado profissional. No Paraná, apenas 3,5 mil dos cerca de 15 mil condenados trabalham dentro ou fora das unidades prisionais. “Queremos e temos de ampliar esses números. Hoje o preso está contido, amanhã ele estará contigo”, comenta o juiz auxiliar do CNJ, Luciano Losekann. A ressocialização, diz ele, também depende da sociedade.

Graças a uma dessas parcerias, 15 detentos da Penitenciária Industrial de Cascavel (PIC), no Oeste do estado, estão trabalhando na construção de uma estação de tratamento de resíduos na sede da montadora de ônibus Mascarello. De segunda a sexta-feira, eles são levados à empresa pela manhã e retornam à unidade no final da tarde. O trabalho é supervisionado por um agente penitenciário. Outros três detentos trabalharão na unidade de costura montada dentro da PIC.

Presos de alta periculosidade que cumprem pena na Penitenciária Federal de Catanduvas também terão uma oportunidade de emprego. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os detentos trabalham numa indústria de brinquedos educativos instalada na unidade. Para cada três dias trabalhados, é diminuído um dia da pena. Além da remissão, receberão ainda o equivalente a 75% do salário mínimo.


Fonte: Gazeta do Povo
Texto: Fabiula Wurmeister
Foto: Christian Rizzi.
Colaborou Luiz Carlos da Cruz, correspondente em Cascavel

0 comentários:

Postar um comentário