terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Redução da Maioridade Penal

Redução da Maioridade Penal




Conceição Cinti*

Se não vejo na criança, uma criança é porque alguém a violentou antes e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado”

Herbert de Souza (Sociólogo).

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque aceitar a redução é fazer o que fazem as pessoas descompromissadas com o direito à vida do próximo: atacam a consequência mesmo sabendo que a solução é combater e solucionar a causa.
 
Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque a adolescência é a fase de transição da infância para a vida adulta, momento que exige investimento da família, do Estado e da sociedade e nós sabemos que, com a derrocada da família, o recrudescimento do Estado e o preconceito da sociedade com os menores não têm conseguido ultrapassar esses severos obstáculos.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque creio na força transformadora que há na educação, como instrumento de cidadania, justiça, humanização e, por convicção própria como resultado da experiência de anos trabalhando nessa área, acredito que nenhum tipo de cadeia pode superar a educação e contribuir para reintegração de um jovem infrator na sociedade.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque sabemos estar estatisticamente comprovado que os jovens infratores, são em maioria, negros, pardos portadores de baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo, muitos ainda na faixa da miséria. Pessoas que foram expostas, desde a mais tenra idade, a todo tipo de violência e que nunca tiveram seus direitos mais elementares garantidos, ou lhe foram negados, o que por si só, já os torna em potenciais vítimas, por parte do Estado e da sociedade.

Sou radicalmente contra a redução da Maioridade Penal porque acredito no potencial do infanto-juvenil quando ele é orientado e incluído como ator do seu próprio projeto de vida, quando lhe dão oportunidade de participar em pé de igualdade com os demais como protagonista de sua história com respeito e dignidade a seu momento de maior fragilidade, que é o momento em que ele inicia sua própria construção e desenvolvimento psicoemocional, social e físico pelo qual passa cada criança e adolescente.

Sou radicalmente contra a Maioridade Penal porque me recuso a repetir esse discurso de uma sociedade revanchista e preconceituosa, corroborada pela mídia populista que prosseguem levianamente fomentadoras da violência que tem vitimado crianças e adolescentes em confronto com a lei e contribuído para a formação de uma consciência social perversa ancorada unicamente na repressão, como se o sistema prisional fosse a solução de uma problemática social tão complexa.

O sistema penitenciário brasileiro possui um total de 514.582 presos (de acordo com os números atualizados do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional), com um montante desses de aprisionamentos, fatalmente os direitos e garantias fundamentais são desrespeitados, redundado em reincidência e mortes.


Impunidade?

Aos que questionam sobre uma possível sensação de impunidade quando se trata de atos praticados pelos jovens de 16 a 18 anos, devemos alertar que o artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já prevê medidas socioeducativas, que vão de atividades comunitárias — passando por liberdade assistida — até internação.

Logo, o mais adequado é fazer com que o ECA seja efetivamente cumprido nos estabelecimentos, onde deveria ocorrer a ressocialização dos adolescentes.

Sustentar a redução da maioridade penal acredito eu, é abrir mais uma brecha para permitir decisões subjetivas e com isso, sabemos que estaremos pondo em risco a vida dos pobres e pretos, que nesse país são prisionáveis, torturáveis e mortáveis (conforme bem ilustra o jurista Luiz Flavio Gomes).

A violência por parte dos adolescentes existe, mas ela sempre esteve aquém da violência praticada contra os menores colocados em instituições que não são recuperados. Não podemos simplesmente colocá-los em centros que são verdadeiras cadeias, que transformam os jovens em bandidos muito mais perigosos. Segundo estatísticas, a maioria absoluta dos crimes praticados pelos menores está intimamente ligada a bens de consumo, ou seja, são crimes patrimoniais. Ainda segundo estatísticas, apenas 10% dos crimes hediondos podem ser atribuídos aos menores.

Ora, não podemos generalizar para efeito de endurecimento das medidas socioeducativas destinada aos menores infratores tomando por base os extremos, como os psicopatas ou sociopatas; seria um contrassenso, um grande equívoco.

Há casos, é verdade, de mortes dolosas praticadas por menores e com requintes de crueldade, mas são casos isolados e não podem, de forma alguma, nortear as medidas socioeducativas aplicadas aos menores infratores sob pena do cometimento da maior injustiça que poderia macular ainda mais o Brasil como um país que não assiste suas crianças e seus jovens, em outras palavras, não cuida do futuro da nação, pior, permite que sejam torturados e mortos.

Violência

Não podemos colocar a culpa da criminalidade nos adolescentes, pois eles são vítimas de uma sociedade que não leva em conta a dignidade da pessoa humana. É necessário mais responsabilidade por parte dos gestores públicos com políticas de proteção à infância e à adolescência, e de alcance à família. É preciso que a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público assegurem proteção e socorro em quaisquer circunstâncias e que possibilitem à família condições de direcionar seus filhos rumo à cultura da paz.

Enganam-se os que pensam que é a inimputabilidade dos jovens que os atrai para o crime, pois é a falta de oportunidades, a falta de expectativas para um futuro melhor que os leva para este caminho. Somente por meio de políticas inclusivas (de subsistência) que abranjam saúde e educação, bem como um policiamento responsável e comunitário, será possível avançar na construção de uma sociedade justa e solidária (de acordo com o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Brasil ainda possui 16 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, ou seja, com renda mensal de até 70 reais).


Maioria favorável

Há sim uma maioria favorável à redução da maioridade penal. São geralmente pessoas que se deixam influenciar pela mídia populista e criticam duramente o menor em confronto com a lei. Defendem não apenas medidas mais duras, mas há até aqueles que se solidarizam com o modelo americano, vigente em alguns poucos estados daquele país, que insanamente prevê pena perpétua sem direito a progressão de regime para essa categoria de menores, o que seria o mesmo que admitirmos a tese lombrosiana que não encontrou ancoragem nem na ciência, nem no direito penal pátrio.

Aceitar esse fato seria um contrassenso, seria banalizar e reduzir uma questão de tamanha complexidade a itens que na verdade são mais consequência do descaso do Poder Público com a criança e o adolescente que tem provocado o que venho denominando de “O Holocausto Brasileiro”, uma verdade que há décadas vem vitimando crianças e adolescentes e precisa ser contido, e nunca será superado através de duras penas.

Ademais, não podemos deixar de mencionar que a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, contraria artigo 60, § 4º, da Constituição Federal que não pode ser alterado (já que é cláusula pétrea), além de desrespeitar o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. Segundo esse tratado, os adolescentes devem ser processados separadamente dos adultos. De acordo com o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA), o Estado tem o dever de assegurar proteção integral a Criança e aos Adolescentes.

Portanto reduzir a maioridade penal seria o mesmo que jogar os jovens em conflito com a lei precocemente na “Universidade do Crime”, porque é do conhecimento público a deterioração do sistema penal brasileiro.

*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e Colunista do www.avantebrasil.com.br e alguns sites renomados
 

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