sábado, 23 de julho de 2011

Número de presos cresce mais do que criminalidade no Brasil

Marcello Casal Jr./Agência Brasil



Dados mostram que punição maior a certos crimes levou mais gente às prisões .População carcerária mais que dobrou nos últimos dez anos

A população carcerária mais que dobrou nos últimos dez anos. Saiu de 233 mil presos, em 2000, para 496 mil no ano passado - um salto de 113%. Segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça, só entre 2000 e 2005, a quantidade de presos subiu 55%, somando 361 mil.

Enquanto isso, o índice de homicídios no país passou de 28,9 em cada grupo de 100 mil habitantes, em 2003, para 25,6, em 2008 (dado mais recente). Nos últimos anos, a taxa tem permanecido em torno de 26 mortes em cada 100 mil habitantes, de acordo com dados da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Várias explicações podem ser encontradas para se entender o fenômeno do crescimento da população carcerária. Os números mostram que o endurecimento na punição de certos crimes levou mais gente às prisões. O exemplo mais claro é o do tráfico de drogas. Enquanto em 2005 havia 31 mil presos por tráfico (nacional e internacional), em 2010, o número era de 100 mil presos. Na comparação com os 91 mil de 2009, a alta de 2010 foi de mais de 10%.

Movimento semelhante é visto nos números de presos por homicídio. Em dezembro de 2010, o Depen contabilizou 49 mil, 88% acima das 26 mil pessoas registradas no mesmo mês de 2005. Em 2009, os presos por homicídio eram 50,6 mil. Ou seja, no último ano, registrou-se uma pequena queda, mas o número de homicídios manteve-se estável. Segundo dados da ONG, foram registrados 43 mil homicídios em 2005 e em 2008.

O maior rigor das leis não pode ser considerado uma vitória na luta contra o crime. Para o advogado Augusto de Arruda Botelho , vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, os dados do Depen mostram os "equívocos da política de combate à criminalidade". Ao invés de tentar resolver os crimes e apurar suas causas, procura-se a repressão, "que invariavelmente passa pelo aumento da pena”.

Esse aumento, para Botelho, é sempre em resposta ao clamor popular, ou a alguma observação feita pelo Legislativo.

- Aumentou o tráfico de drogas no país? Aumenta-se a pena para traficantes; se a sociedade ficou mais violenta, aumenta-se a pena para homicídios.

Presos sem condenação

A prisão provisória, que inclui os flagrantes e as medidas cautelares, se multiplicou nos últimos anos. Em 2010, eram 165 mil presos provisórios, cerca de 40% do total de presos no ano. Desde 2005, quando os provisórios eram 91 mil, o aumento foi de 80%.

Botelho aponta três fatores para explicar o aumento do número de presos por homicídio: o aumento da criminalidade, a melhoria na qualidade das investigações policiais, que resultam em mais prisões, e, principalmente, uma mudança na mentalidade dos magistrados.

Os juízes, diz o advogado, passaram a considerar a prisão provisória necessária em casos de assassinato. Em vez de exceção, aplicada apenas quando necessário, o encarceramento processual virou regra. Na opinião de Botelho, é um "reflexo absurdo da banalização da prisão preventiva no país".

- Infelizmente, alguns juízes a transformaram em antecipação de pena. Esqueceram da presunção de inocência.

Outro problema é a superlotação dos presídios. Em Hortolândia, no interior de São Paulo, por exemplo, o prédio foi construído para receber 2.600 presos, abriga hoje 6.100; o Cadeião de Pinheiros, na capital paulista, também guarda 5.200 detentos num espaço feito para 2.050. O Estado tem 11 presídios em construção.

A média nacional da falta de espaço, embora um pouco melhor, também é dramática: faltam nas cadeias 198 mil vagas para os cerca de 500 mil presos. Mesmo assim, o sistema se dá ao luxo de manter na cadeia 50 mil presos de forma ilegal - gente que já deveria ter deixado a cadeia ou que nem sequer deveria ter sido presa. Outros 50 mil, que deveriam estar nas prisões, continuam “no xadrez” das delegacias.

O diretor-geral do Depen, Augusto Rossini, afirma que, se a polícia continuar prendendo, a Justiça, quando couber, vai continuar condenando. No cargo desde 26 de janeiro, Rossini estabeleceu como meta encontrar soluções, não culpados. E adianta que o governo federal já liberou R$ 871 milhões aos Estados para que sejam construídas 31 mil vagas em presídios.

Medidas alternativas

Na conta do professor Fernando Salla, sociólogo do Núcleo de Estudos de Violência da USP, "de forma geral", quando tem muita gente presa, é porque algo não vai bem.

- É um ônus da democracia muito pouco discutido.

Entretanto, ele não defende maior leniência do sistema penal, e sim estudar outras formas de punição que não passem necessariamente pela prisão. Ele corrobora a visão de Augusto Botelho, de que é preciso combater as causas que levam à criminalidade, e não apenas reprimir os ilícitos. Não adianta mexer em apenas uma ponta do problema.

Salla defende a criação de boas políticas sociais em "áreas sensíveis", como ações relacionadas à inserção no mercado de trabalho, distribuição de renda e investimento em educação. Na opinião do sociólogo, o Brasil importou a cultura americana, "extremamente repressora e conservadora", de combate à criminalidade.

Segundo Salla, a política de "tolerância zero" ao crime nos Estados Unidos foi acompanhada de uma ação social correspondente.

Com 2,2 milhões de presos, os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo, segundo o Escritório de Estatísticas da Justiça dos EUA (BJS, na sigla em inglês). Se contados os que estão em liberdade condicional ou em prisão cautelar, o número pula para 7,2 milhões, ou 3,1% dos adultos do país. Lá, a superlotação prisional é igual ou pior que aqui.

Em outros países desenvolvidos, principalmente na Europa, o encarceramento não deixa de ser um problema, mas é tratado de outra forma. O exemplo citado pelo professor Fernando Salla é o do tráfico de drogas: na maioria dos países do continente, ele não é considerado um crime violento, hediondo, então não resulta em flagrante e raramente em prisão - há penas alternativas. Na França, segundo o sociólogo, demorou dez anos para que a população carcerária crescesse 10%.

Fonte e Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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