Dados do Departamento Penitenciário revelam que, em abril, 16.462 presos provisórios estavam em cadeias do estado, sob custódia da Polícia Civil
Apesar de construídas exclusivamente para abrigar presos provisórios, as carceragens das delegacias do Paraná comportavam, em abril deste ano, 16.462 detentos, distribuídos em celas que, juntas, deveriam receber no máximo 6.117 pessoas. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o estado possui o maior número de detentos em cadeias do país – no final de 2010, dos 50.546 presos custodiados nas delegacias, 16.223 estavam no Paraná.
Estimativas do Ministério Público (MP) do Paraná e da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), mostram ainda que pelo menos 3,5 mil presos já condenados cumprem pena nas delegacias do estado, ao invés de estarem em penitenciárias, como prevê a lei. Os impactos são diversos: sem estrutura física para receber tantos presos – e por tanto tempo –, as cadeias superlotadas favorecem o risco de fugas e rebeliões e, principalmente, comprometem o trabalho dos policiais civis, que precisam dividir a rotina de investigação com a custódia dos detentos.
Segundo o Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol), a superlotação é ainda mais crítica nas delegacias do interior, onde o efetivo de agentes é menor. Das 561 delegacias com carceragens no Paraná, 303 ficam no interior. Além do desvio de função ocasionado pela guarda dos presos, o sindicato critica as escalas estendidas a que os policiais são submetidos, justamente para evitar que as celas fiquem sem vigilância.
“Isso inviabiliza o trabalho policial. Agentes que deviam estar a campo permanecem na delegacia apenas para cuidar dos presos”, critica o diretor de assuntos parlamentares do Sinclapol, Sidnei Belizário de Melo. “Assim, a grande maioria dos boletins de ocorrência simplesmente não é investigada”.
O delegado-chefe da Divisão Policial do Interior (DPI), Júlio César dos Reis, afirma que há uma falsa impressão de que apenas um ou dois policiais conseguem “dar conta” da custódia e segurança dos presos, o que não ocorre na prática. “O policial civil tem formação para investigação e infelizmente tem que desviar boa parte das suas atribuições para essa custódia, o que, sem dúvida, dificulta o trabalho”, relata.
Para Reis, uma das alternativas buscadas é repassar o trabalho de custódia dos detentos exclusivamente para agentes da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju), o que já ocorre em outros estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A secretaria confirma a intenção, mas diz que a mudança ainda pode demorar para ser integralmente implantada.
Origem
A promotora de justiça Maria Esperia Costa Moura, da área de Execuções Penais do MP, destaca que o problema da superlotação tem como uma das causas a deficiência na assistência judiciária dos detentos. A vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR, Isabel Kluger Mendes, diz que não é raro encontrar nas cadeias presos que já foram condenados há meses e até anos. “Ninguém está defendendo que aquele que pratica um delito seja solto ou absolvido. Mas na Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba, por exemplo, encontramos um rapaz que já havia sido condenado e estava ali há mais de quatro anos. Essa é uma situação gravíssima”, relata.
A superlotação das delegacias também é reflexo do esgotamento do sistema prisional brasileiro. O déficit de vagas nos presídios, no final de 2010, chegou a 164.624 vagas. Segundo balanço do Depen, só no Paraná seriam necessárias mais 5.311 vagas nos estabelecimentos prisionais. Isso, sem colocar na conta os mais de 16 mil presos mantidos nas delegacias.
Excesso de presos transforma cadeias em “escolas do crime”
As vistorias da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR nas carceragens de delegacias permitiram visualizar na prática uma situação implícita nos números: com a superlotação superando o número de vagas em mais de 10 mil presos, as celas se tornam ambientes mais do que favoráveis para a disseminação de doenças e da própria criminalidade.
Sem estrutura para separar presos de menor ou maior periculosidade, ou detentos provisórios daqueles que já foram condenados, as carceragens transformam-se em verdadeiras “escolas do crime” – expressão normalmente relacionada às penitenciárias.
“Imagine um garoto de 18 anos que foi preso por praticar um furto simples para comprar drogas, por exemplo. Esse rapaz teria todas as condições de ser recuperado se a lei fosse respeitada. Mas aí ele é jogado no meio de abutres, criminosos que estão ali há muito tempo e dominam a cadeia. Esse jovem acaba sendo coagido e violentado em todos os sentidos”, relata a vice-presidente da comissão, Isabel Kluger Mendes.
Gravidade
Para a promotora de justiça Maria Esperia Costa Moura, a “mistura” entre presos é um problema tão grave quanto o risco de fugas e rebeliões devido à grande concentração de pessoas nas celas. Nesse caso, a detenção, que deveria reforçar a segurança, acaba tendo efeito contrário, causando um agravamento maior da violência e da reincidência de crimes. “Os presos provisórios acabam sendo libertados, mas se tornam agentes de prestação de serviços para aqueles que ainda estão detidos, após serem cooptados por persuasão ou ameaças”, explica a promotora.
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR alerta ainda para as más condições de insalubridade vividas pelos presos em carceragens lotadas. Segundo Isabel, exemplos de graves riscos à saúde não faltam. “Na delegacia do Alto do Maracanã [em Colombo, região metropolitana de Curitiba], solicitamos uma vistoria da Vigilância Sanitária. A capacidade é de oito presos, mas havia cerca de 40 quando passamos por lá. Vários detentos tinham problemas sérios de furúnculos pelo corpo inteiro”, relata.
Assistência jurídica :Defensoria abre concurso público
A Defensoria Pública do Paraná abriu inscrições na última segunda-feira para o processo seletivo que irá contratar 150 assessores jurídicos para atuarem em estabelecimentos penais de todo o estado. Do total de assessores, 64 atuarão exclusivamente nas cadeias públicas e distritos policiais do Paraná. Segundo a Secretaria de Justiça do Paraná, a intenção é ampliar e garantir a assistência jurídica aos presos, inclusive como forma de diminuir o número de detentos mantidos hoje nas delegacias.
O concurso ocorrerá no dia 28 de agosto. Os contratos terão validade até que sejam preenchidos os cargos do primeiro concurso público para a carreira de defensor público do Paraná, que ocorrerá provavelmente ano que vem.
Mais espaço : Secretaria promete 2,5 mil novas vagas até outubro
A Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) garante que há a intenção de repassar integralmente a custódia dos presos mantidos nas carceragens para agentes da própria secretaria, liberando os policiais civis para atividades de investigação. O processo, porém, deve ocorrer paulatinamente, ao longo dos próximos quatro anos. Antes, seria necessário reformar as cadeias e inaugurar novas unidades prisionais, diminuindo o problema da superlotação.
Segundo a assessoria da Seju, 2,5 mil novas vagas devem ser colocadas à disposição do sistema prisional do Paraná até outubro. Uma nova penitenciária, com 720 vagas, será inaugurada em Cruzeiro do Oeste e a Penitenciária Central do Estado, em Piraquara (Grande Curitiba), está sendo ampliada para abrigar mais 1.480 detentos. Também nos próximos três meses, o regime semiaberto da Penitenciária de Maringá contará com mais 300 vagas.
A secretaria informa ainda que estão sendo licitadas ampliações de outras unidades prisionais já existentes em Piraquara – voltadas para jovens de 18 a 24 anos – e Ponta Grossa, que, juntas, disponibilizariam 1.064 vagas. A Seju também planeja a construção de novas penitenciárias em Ponta Grossa, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão e Londrina. Nesse caso, porém, não há qualquer previsão para os projetos saírem do papel, já que as obras dependeriam de recursos federais que ainda estão sendo negociados.
CARGO:Superlotação cria figura do auxiliar de carceragem
Às voltas com a superlotação das cadeias, algumas delegacias têm recorrido à ação de auxiliares de carceragem, agentes que ficam responsáveis pelo “trabalho braçal” de custódia. A equipe serve comida aos detentos, acompanha entrada e saída das celas e limpa carceragens, entre outras tarefas. O auxiliar de carceragem não é um policial e não pode portar armas, por exemplo.
O 12º Distrito Policial de Curitiba, no bairro Santa Felicidade, uma das unidades em que o problema da superlotação é crônico – são 26 vagas para, em média, 150 detentos –, conta hoje com quatro auxiliares. Apesar de o 12º DP já ter contado com o dobro de funcionários para o trato dos presos, o superintendente do distrito, Manoel Mendes, afirma que a ajuda dos auxiliares de carceragem é “fundamental”. “O trabalho deles é muito importante para a delegacia, até para liberar os policiais para outras tarefas. São funcionários contratados por meio de requisitos criteriosos, como a ausência de antecedentes criminais”, explica Mendes.
Mesmo a presença dos auxiliares de carceragem, porém, não isenta totalmente os policiais da custódia dos detentos, já que a atuação da equipe é restrita a tarefas administrativas. A segurança do distrito e das celas continua sendo feita exclusivamente pelos 25 policiais, que, além do trabalho rotineiro de investigação, precisam prevenir fugas e rebeliões nas celas lotadas.
Fonte e Foto: Gazeta do Povo
29/07/2011 00:01
Rafael Waltrick
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