terça-feira, 6 de outubro de 2009

Mulher presa tem situação crítica no Paraná



Estado é o segundo em número de detentas no Brasil. Grande parte fica em delegacias por falta de vagas nas penitenciárias.

O 9.º Distrito Policial de Curitiba, no bairro Santa Quitéria, ilustra a atual situação das mulheres presas no Paraná: a delegacia registrou uma fuga de 15 presas neste fim de semana e é objeto de uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) devido à superlotação e à falta de condições sanitárias. Delegacias como essa abrigam as mulheres que aguardam julgamento e muitas que já foram condenadas, mas não podem ser encaminhadas a presídios por falta de vagas no sistema carcerário.

De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que compila dados de 2008 do Ministério da Justiça e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Paraná ocupa a segunda colocação – perdendo apenas para São Paulo – em número absoluto de mulheres no sistema penitenciário. E, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (Seju), outras mil estão encarceradas em delegacias.

O problema paranaense se evidencia na comparação de presas com outros estados com população maior. O Rio Grande do Sul (200 mil habitantes a mais) mantém 1.303 presas; Minas Gerais (9,5 milhões de habitantes a mais) tem 1.252 encarceradas; e o Rio de Janeiro (5,5 milhões de habitantes a mais) tem 1.166 presidiárias. O Paraná – descontando as detentas mantidas em delegacias – tem 1.564 presas.

Tráfico

Os fatores que levam o Paraná a estar entre os primeiros do ranking de mulheres encarceradas são desconhecidos por especialistas. Há, no entanto, uma soma de indícios. Coordenador-geral do Departa­mento Penitenciário do Paraná, órgão ligado à Seju, Cezinando Paredes considera o tráfico de drogas responsável pelo índice. “Como as fronteiras paranaenses são ponto de entrada de drogas, existem muitas mulheres participando do tráfico”, diz. “Anti­ga­mente, era mais comum a participação feminina em roubos. Hoje, elas integram quadrilhas ao lado dos companheiros”.

A diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, Julita Lemgruber, afirma que um maior número de prisões não representa aumento da violência. “Pode significar uma postura diferente da polícia”, avisa. Para exemplificar, a coordenadora lembra da Criação das Delegacias Especiais de Atendi­mento à Mulher. Com elas, houve aumento do registro de casos de violência doméstica em todo o país. “Não quer dizer que a violência aumentou, mas apenas que as mulheres passaram a se sentir mais seguras para prestar a queixa”, esclarece.

Delegacias

As delegacias femininas para­naenses são verdadeiros cenários para filme de terror. No último relatório expedido pela Seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), havia 67 mulheres em um espaço para 16 no 9.º Distrito Policial de Curitiba. “Em geral, tem-se quatro vezes mais mulheres do que deveria. Isso é uma constante no 9.º DP”, afirma Isabel Kugler Mendes, secretária da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR. Superlo­tação que cria situações desumanas. “São ambientes cruéis, muito sujos, totalmente escuros, com pouquíssima claridade”, diz. “Quase não há ventilação. Eu costumo dizer que elas ficam sem ar”, completa.

Muitas das presas já deveriam estar em presídios. “Há uma mistura de pessoas já condenadas com outras que estão aguardando condenação. É um problema muito sério. Na Justiça, existe lei que determina que, em 80 e poucos dias, o processo deveria estar em vias da primeira audiência. Mas não é isso que ocorre”, diz Isabel. Todos esses abusos se repetem nas demais delegacias do interior do estado, segundo a Comissão de Direitos Humanos da Ordem.

Presidente da Comissão de Estabelecimentos Prisionais da OAB-PR e coordenadora do Projeto OAB Cidadania, Lúcia Maria Beloni Corrêa Dias afirma que o inchaço poderia ser evitado com medidas simples. “É necessário avaliar se há ou não necessidade de aguardar no cárcere. Se tem emprego e domicílio informado, por que não aguardar a decisão em liberdade, no caso de crimes de menor potencial ofensivo?”, questiona.

Para isso haveria necessidade de acompanhamento contínuo dos homens e mulheres que entram no sistema, conhecendo as razões para a prisão. “Com esses dados, já se pode analisar e dar esse benefício sem continuar onerando o estado”, diz. “Não queremos tirar bandido da cadeia, queremos que haja seleção e condições para que as pessoas paguem por seus delitos. Caso contrário, a Constituição é letra morta”, ressalta Isabel.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública, responsável pelo cárcere em delegacias, informou, por e-mail, que as detentas encontram no 9.º DP “condições diferenciadas do que havia nos anos anteriores. Elas têm direitos fundamentais assegurados, como banho de sol”. Quatro vezes por semana, as presas são visitadas por diferentes entidades, que realizam atividades e levam alimentos e roupas. As boas condições, conforme a Sesp, se repetem nas delegacias do interior: “As presas têm seus direitos assegurados”. A Sesp diz ter esvaziado 11 distritos em Curitiba, desde o início do ano – apenas o 9.º e o12.º DP continuam a receber presos.

A Sesp afirma ter uma tarefa bastante árdua, pois precisa, ao mesmo tempo, esvaziar os distritos, mas manter a proteção da sociedade. “Defender o direito do preso é importante para que possamos contar com sua recuperação social, mas para a polícia, o dever primordial é o de defender a sociedade da violência praticada por esses criminosos”, diz o e-mail.


Maior parte está presa por relação com droga

De acordo com a OAB-PR, cerca de 90% das presas do Paraná estão relacionadas de alguma forma ao tráfico de drogas. Muitas vezes, porém, a presa não usa nem vende entorpecentes. “Se a Polícia Militar invade uma casa e encontra algo ilegal, leva todo mundo preso, mesmo que não tenha relação com a droga”, diz Isabel Kugler Mendes, secretária da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR. Por esse e outros motivos, 70% das presas são primárias – foram capturadas em seu primeiro delito.

A legislação terapêutica obriga o Estado a ofertar tratamento para pessoas dependentes de drogas. “Teoricamente, essas mulheres não deveriam estar nas cadeias. Teriam de ser encaminhadas para o tratamento terapêutico”, diz Isabel. Em muitas oportunidades, o cárcere se torna a verdadeira “escola do crime”, pois 70% das encarceradas estão na faixa entre 18 e 23 anos. “É uma idade dos sonhos, de aventura. Justamente nessa etapa, você acaba sendo submetido a todo tipo de crueldade, como a tortura sexual e moral. As pessoas saem extremamente violentas, odiando a sociedade, prontas para destruir o patrimônio”, diz Isabel.

Muitas encarceradas ficam sem escolha, sendo obrigadas a participar do crime organizado. “Não dá para fechar os olhos para a ação dessas quadrilhas. Al­­gumas são bandidas mesmo. Quando elas encontram uma menina sem o mesmo histórico, acabam encontrando uma forma de usá-la. Seja para receber cota de drogas ou levar informação para fora. Essa menina acaba indo para o mundo do crime, quando poderia ser salva”, conclui Isabel.


Fonte: Vinicius Boreki/Gazeta do Povo
Publicado em 17/09/2009
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=925016&tit=Mulher-presa-tem-situacao-critica-no-PR

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