Christian Rizzi/Gazeta do Povo
Com 62,2 mortes para cada 100 mil habitantes, índice da região do Lago de Itaipu é o dobro da do Paraná. Cidades pacatas se tornaram violentas
O índice de homicídios nas cidades paranaenses localizadas na fronteira com o Paraguai em 2010 chegou a 62,2 para cada 100 mil habitantes, quase o dobro da taxa do estado, de 34,4. Em 2000, já eram de 47,3 e 21, respectivamente.
Informações do sistema Datasus, do Ministério da Saúde, indicam que o problema, além de não ser resolvido, se espalhou para outros municípios. O avanço da criminalidade e a pulverização da violência tornaram recorrentes em regiões antes pacatas os casos de assassinatos, a maioria ligada ao contrabando e ao narcotráfico.
Há 12 anos, dos onze municípios ribeirinhos ao Lago de Itaipu, apenas quatro fecharam o ano sem assassinatos. Volume que caiu para três, passados dez anos. Chamam a atenção, no entanto, o número absoluto e a taxa de homicídios, todas muito acima de 10 para cada grupo de 100 mil habitantes, situação considerada epidêmica pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Pouca ação
Respostas tímidas para problemas históricos
Historicamente pouco povoadas, em especial nas Regiões Norte e Centro-Oeste, as fronteiras brasileiras hoje acumulam problemas que, segundo especialistas, podem ser resolvidos ou ao menos significativamente amenizados. A solução estaria em um conjunto de ações que vão desde a repressão ao crime até a aplicação de políticas públicas de caráter social e econômico, sempre de forma articulada entre União, estados e municípios.
Autor do estudo “Violência e Fronteiras”, o coordenador de pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo (NEV/USP), Fernando Salla, destaca que os altos índices de criminalidade nas regiões limítrofes do país são influenciados tanto pelo tamanho da população, como pelo tipo de fronteira (seca ou delimitada por um rio) e pelo controle – menos ou mais permissivo – do fluxo de pessoas e de bens empregados pelo país vizinho.
“Está havendo uma intensificação das relações comerciais entre os países, percebida em grande parte nas regiões de fronteira. As atividades ilegais naturalmente acompanham essa evolução. Do ponto de vista econômico e social, estas regiões nunca foram objeto de preocupação do governo, além da questão da segurança nacional”, avalia, destacando que somente nos últimos dez anos começaram a gerar preocupação, “mesmo assim de forma tímida e ainda pouco eficiente”.
Perda
Uma família destruída pelo contrabando
Ao tirar da bolsa a foto dos três filhos quando eles ainda frequentavam a escola, dona Celeste – que pediu para ter o sobrenome preservado – faz questão de relatar os tempos difíceis e quase sem oportunidades que a família viveu na pequena São Miguel do Iguaçu, a 35 quilômetros de Foz do Iguaçu. Quase não havia movimento na pacata cidade de fronteira. Mas, quando os contrabandistas apareceram na vida deles, tudo mudou. Mal sabia ela que aquela atividade ilegal cobraria caro pela vida melhor que passou a dar à família.
“A gente nem entendia direito o que era isso de contrabando. Quando os meninos chegaram aqui falando que poderiam conseguir em uma semana o dinheiro de quase dois meses de trabalho na roça, não teve jeito, tive que deixar que seguissem a vida deles”, conta, lembrando que primeiro foram os dois mais velhos, Juliano* e Marcelo*, de 17 e 16 anos. Fernando*, o caçula, com 12 anos, ainda era muito novo. Mas aquela vida não era para qualquer um e, por saber demais, nunca mais se poderia abrir mão dela. “No começo era para sobreviver, depois foi para não morrer”, afirma Celeste.
Vida fácil
No começo, explica, parecia tudo muito bom. Depois de alguns dias transportando mercadorias do Paraguai de Foz do Iguaçu até Céu Azul, perto de Cascavel, os meninos voltavam para casa felizes, com roupa e calçados novos e algum presente para o caçula e os pais. “Eles chegavam com o dinheiro da compra do mês e prometendo trazer mais na outra semana.” Foi assim durante dois anos. “Depois, começaram a ficar mais tempo fora de casa. Quando iam, ficavam pouco.”
De mulas do contrabando, passaram a “patrões”. Compraram moto, carro e casa. Mais do que mercadorias do Paraguai, agora também tinham entre as encomendas certas quantidades de drogas. O lucro aumentou na idêntica proporção do risco de ser preso. “Não se preocupa mãe, está tudo certo”, disseram quando decidiram que era hora do irmão menor “ter a mesma chance”. Em um ano, dona Celeste teve os dois filhos mais velhos assassinados. E há seis meses visita Fernando na Penitenciária de Foz do Iguaçu.
*nomes fictícios
Enquanto em Foz do Iguaçu, uma das mais violentas do estado, esse tipo de crime cresceu cerca de 12%, em Guaíra os casos triplicaram e em Marechal Cândido Rondon cresceram quase oito vezes.
Na comparação entre os dois períodos, inicialmente a taxa de homicídios variava de 21 a 27,8, respectivamente no Paraná e no Brasil, pouco menos da metade da média da faixa de fronteira que já era de 47,3, com Foz do Iguaçu atingindo a preocupante marca de 64,5.
Ao final de 2010, a média nacional registrou uma leve queda, caindo para 26,2. Em contrapartida, o Paraná em geral viu o seu índice subir para 34,4, puxado por Curitiba (55,9), região metropolitana da capital (56,8) e pelos municípios limítrofes (62,2) ao Paraguai encabeçados por Foz (73).
Desde que a fiscalização em pontos estratégicos de Foz do Iguaçu e da BR-277 foi intensificada, a partir de 2006 – meses antes da inauguração da nova aduana da Receita Federal na Ponte Internacional da Amizade, entre Foz e Ciudad del Este –, a logística do contrabando e do tráfico de drogas começou a operar com mais frequência em rotas alternativas. Os chamados QGs (quartéis-generais) das quadrilhas foram aos poucos sendo transferidos para municípios onde o policiamento ainda não havia sido reforçado.
Sem controle
“O contrabando e o tráfico de drogas, antes problemas pontuais, tomaram conta de Guaíra. Desde jovens até agricultores donos de pequenas propriedades rurais às margens do Lago de Itaipu estão sendo aliciados pelas quadrilhas”, aponta o delegado da Polícia Civil em Guaíra, José Carlos Gugliemetti.
Há pouco mais de dois anos, a cidade foi palco da maior chacina do estado, quando 15 pessoas morreram e oito ficaram feridas em uma emboscada motivada por vingança e pela cobrança de dívidas entre supostos traficantes.
Estratégia para fronteira é guardada a sete chaves pelo governo
Lançado em junho de 2011, o Plano Nacional de Fronteiras prevê uma série de ações de repressão ao crime organizado nas regiões limítrofes do país. Entre os objetivos estão a redução dos índices de criminalidade e o reaparelhamento e o aumento do efetivo policial.
Apesar disso, continuam em segredo quais ações estratégicas serão colocadas em prática pelos diversos órgãos fiscais e de segurança envolvidos. No total, 11 estados serão diretamente beneficiados.
Depois de seis meses, o governo anunciou apenas o balanço das operações realizadas no período – 15 vezes maior que as apreensões feitas entre janeiro e maio – e parte dos recursos para os estados – R$ 37 milhões. A maior fatia, R$ 5,25 milhões, será encaminhada ao Paraná.
A distribuição levou em conta critérios como tamanho da população, extensão, número de municípios e de homicídios nas regiões de fronteira, repasse de verbas federais anteriores e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Plano social
Além do caráter repressivo, em outubro, o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco, havia anunciado a preparação de um plano social e econômico para intensificar a ocupação das áreas de fronteira.
Também sem entrar em detalhes, o ministro adiantou que a ideia seria complementar as ações de repressão com projetos que incentivem a fixação da população por meio da garantia de acesso a serviços públicos básicos como de educação e de saúde.
Fonte: Gazeta do Povo
Texto: Fabiula Wurmeister, da sucursal
Publicado em 21/01/2012
Foz do Iguaçu
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