Embora tenha sido autorizada a organização de concurso para contratar profissionais, demanda por defensores está longe de ser atendida
O governo do estado autorizou, na última quarta-feira, a realização de concurso para as primeiras contratações da Defensoria Pública do Paraná. Ao todo, em um primeiro momento, serão contratados 197 defensores públicos e 532 assessores. A expectativa é de que até 2014, 333 defensores estejam nomeados no Paraná. O edital deve ser lançado até o início de abril e as provas aplicadas entre maio e junho. Para muitos, entretanto, esse processo tem sido lento demais.
A criação de uma Defensoria Pública efetiva no Paraná demorou 23 anos. Uma lei do final do governo Alvaro Dias, de 1991, previa a criação do órgão dentro dos moldes previstos na Constituição de 1988. Entretanto, a norma não saiu do papel. Apenas em maio de 2011, o governador Beto Richa sancionou a Lei Orgânica da Defensoria Pública, que regulamenta o funcionamento do órgão. A Defensoria existe hoje, mas conta com apenas dez defensores e 16 advogados cedidos pelo governo estadual, estrutura insuficiente até mesmo para a demanda do município de Curitiba.
A defensora pública-geral, Josiane Fruet Lupion, argumenta que a demora para a realização do concurso é natural, já que não se trata de um processo simples. Um comitê formado por diversas entidades trabalha nisso desde novembro do ano passado, mas o número elevado de vagas e a variedade de cargos tornam o processo complicado. A expectativa, segundo Josiane, é de que 8 mil pessoas participem do concurso para defensor e mais 12 mil para os outros cargos.
Entretanto, o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), André Castro, afirma que essa demora não é normal. Em São Paulo, último estado a estruturar sua defensoria, em 2006, o órgão já contava com 400 defensores trabalhando menos de um ano depois da aprovação da lei.
A situação também é criticada pelo movimento Defensoria Já!, que deve promover um ato na próxima quarta-feira, no Prédio Histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pedindo mais agilidade nesse processo. Para a professora de Direito Penal da UFPR Priscilla Placha Sá, uma das integrantes do movimento, essa autorização não significa um passo adiante. “Essa resolução assinada pelo governo do estado seria desnecessária, pois uma das características da defensoria é a autonomia administrativa e financeira”, afirma. Priscilla cobra também a apresentação de um cronograma formal para a realização do concurso.
Demanda
Mesmo que a defensoria consiga emplacar de imediato toda a estrutura prevista na lei para 2014, esse número ainda não seria suficiente para vencer a demanda do Paraná. Segundo o 3.º Diagnóstico das Defensorias Públicas do Brasil, publicado em 2009 pelo Ministério da Justiça, o Paraná precisaria de, pelo menos, 600 defensores para dar conta de sua demanda.
Josiane afirma que 333 defensores, de fato, não são suficientes para um estado do tamanho do Paraná. Entretanto, já é o bastante para uma melhora significativa no atendimento da população. Pelo projeto atual, a defensoria seria espalhada por todas as comarcas do Paraná, buscando atender o estado como um todo.
Castro concorda com a análise da defensora-geral. “O número ideal deveria ser maior, mas, se nós conseguirmos colocar esses defensores na ativa em um curto espaço de tempo e preencher o quadro de apoio, sem dúvida, haverá um salto de qualidade no atendimento”, afirma.
55% dos presos são provisórios
Apesar de ser apenas a sexta maior população e a quinta maior economia do país, o Paraná tem a terceira maior população carcerária de todo o Brasil. Em 2010, dado mais recente disponível, o estado contava com praticamente 36 mil presos, número menor apenas que os de São Paulo e Minas Gerais. Parte desse problema é o alto número de presos provisórios: cerca de 20 mil, o equivalente a 55% da população carcerária. É o sétimo maior índice do país e o segundo maior no Sul e Sudeste.
A falta de uma Defensoria Pública faz parte desse problema. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), André Castro, faltam advogados, por exemplo, para requisitar a liberdade de alguém que não deveria estar preso. Por outro lado, a ausência de advogados impede a condenação de outros réus, que deveriam ser presos de forma definitiva. “Só deve ficar preso quem tem que estar preso”, resume.
O presidente no Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), José Lúcio Glomb, ressalta a magnitude do problema. Segundo Glomb, existem 3 mil revisões de casos de presos que não deveriam estar nas cadeias do Paraná. E esse número pode ser ainda maior. “Muitas pessoas estão nas cadeias públicas por causa da dificuldade de atendimento”, afirma. Além da injustiça, isso traz problemas como a superlotação de vários presídios e, também, de delegacias, que, sem estrutura para cuidar dos presos, veem seus outros trabalhos, como os de investigação, prejudicados.
Principal desafio
Para a defensora pública-geral, Josiane Fruet Lupion, a gravidade do tema é suficiente para considerá-lo o principal desafio da nova defensoria. “O trabalho na área criminal é muito grande. Acredito que, dentro da defensoria, é nosso maior trabalho”, afirma. Desde novembro de 2011, o governo do estado cedeu 150 profissionais para realizar um mapeamento da situação carcerária no estado, trabalho que está sendo coordenado pelo novo órgão.
Além de servir como base para uma ação futura, depois da contratação efetiva dos defensores, algumas medidas pontuais vêm sendo tomadas, como a remoção de presos com problemas de saúde para hospitais e a liberação de alguns detentos que não deveriam estar na cadeia.
Justiça tem de recorrer a advogados dativos
A ausência de uma Defensoria Pública com estrutura adequada força o Poder Judiciário a recorrer ao serviço de advogados dativos. Esses profissionais são indicados por juízes para representar réus que não têm dinheiro para pagar por sua defesa. O problema é que esses advogados acabam sendo forçados a trabalhar de graça, já que o Estado não os paga há dez anos. Além disso, a relação advogado-cliente é prejudicada e a conta acaba sendo paga pelos réus mais pobres, que não conseguem ser defendidos de forma adequada.
A função mais notória de um defensor público é advogar em nome de quem não tem condições de pagar um advogado. Segundo a defensora-geral do estado, Josiane Fruet Lupion, esse dever não pode ser visto como a única função de um defensor, já que eles atuam também na mediação extrajudicial de conflitos e em diversas formas de trabalho social com comunidades carentes. Entretanto, trata-se de uma demanda importante que o Paraná tem dificuldades de lidar.
O presidente no Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), José Lúcio Glomb, estima que cerca de 5 mil advogados trabalharam “de graça” como dativos nesses últimos dez anos. O Estado deve, segundo suas estimativas, mais de R$ 10 milhões a esses profissionais. Uma soma que é pequena frente à receita líquida anual de R$ 32 bilhões do estado, mas que representa bastante coisa na vida desses profissionais. Entretanto, Glomb acredita que quem mais perde com essa situação são os clientes. “Quem está sofrendo com isso é o cidadão paranaense”, afirma.
A reportagem procurou a Secretaria de Estado da Fazenda, responsável pelos pagamentos feitos pelo governo do estado, mas não foi atendida até o fechamento desta edição.
Conscientização
População tem de conhecer o serviço
Outro desafio na criação da Defensoria Pública do Paraná é sua inserção cultural na sociedade. Apesar de a demanda existir, a figura do defensor ainda é desconhecida para a população e até mesmo para o Judiciário local. “Esse é o problema causado pelos 20 anos de atraso. Você sai do Paraná e é compreendido, você vai em qualquer órgão público e eles entendem a linguagem. Aqui no Paraná, ninguém entende. Você tem de se explicar”, afirma a defensora pública-geral, Josiane Fruet Lupion.
Para driblar essa dificuldade, a defensoria deve promover campanhas de conscientização e criar uma “defensoria volante”, que levará serviços da instituição a regiões pouco acessíveis do Paraná. “Há regiões do estado em que as pessoas nem certidão de nascimento têm. É nessas regiões que a gente precisa chegar”, afirma.
Fonte: Gazeta do Povo
(Publicado em 12/03/2012)
Texto: Chico Marés
Link:
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1232495&tit=Falta-agilidade-para-montar-orgao