Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Maria Júlia * e a mãe deixam o presídio. A menina estava presa com a mãe desde os 3 dias de idadeFilhos do presídio ganham, enfim, a liberdade
Três crianças que nasceram na Penitenciária Feminina de Piraquara vão deixar a cadeia. As mães conquistaram direito à prisão domiciliar
Maria Júlia* assoprou a vela de seu terceiro aniversário, com tudo a que tinha direito: bolo, salgadinhos, doces e amiguinhos presentes. Seria mais uma cena normal na vida de uma criança, não fosse por um detalhe: a festa foi realizada em uma creche que funciona dentro da Penitenciária Feminina do Paraná (PFP), em Piraquara. Para a mãe da aniversariante – que cumpria pena na unidade, por homicídio –, a comemoração era dupla. Horas antes, no 3.º Mutirão Carcerário, ela havia conquistado a progressão do regime para prisão domiciliar. Ainda ontem, mãe e filha seguiram para Santa Catarina, onde começarão vida nova.
“É um presente para mim e para ela”, comemorou Fabiane*, de 22 anos, presa quando estava no terceiro mês de gestação. Deu à luz dentro do complexo penal. Assim como ela, outras duas mulheres que tiveram filho depois de estarem atrás das grades também deixaram o presídio e passaram a cumprir prisão domiciliar.
“Não voltem mais, hein?”, brinca uma agente penitenciária, enquanto um grupo de presas da PFP embarcava no ônibus que as levaria para fora do presídio. Todas conquistaram, no 3º Mutirão Carcerário, a progressão para o regime semiaberto. Algumas histórias chamam a atenção pela severidade das penas imposta às detentas.
É o caso de Juliana*, de 22 anos, presa em Ivaiporã, porque portava três pedras de crack. Pela posse da droga, foi condenada a quatro anos e oito meses de prisão, por associação ao tráfico. Já passou um ano e cinco meses detida. Apesar disso, a jovem – que sonha em se formar em Direito – não se queixa da injustiça.
“Eu não reclamo, porque consegui mudar, consegui deixar o crack aqui dentro. Tive que aprender na marra”, disse.
Uma colega dela, Antônia*, de 41 anos, foi condenada a 19 anos, por tráfico de drogas. A presa conta que policiais invadiram a casa dela, em Almirante Tamandaré, sem mandado judicial e ameaçaram bater no filho, autista. “Eu gritei com os policiais e eles me revistaram. Acharam sete buchas de maconha no meu bolso e me prenderam”, contou.
Após quatro anos detida na PFP, Antonia foi ontem para o regime semiaberto. Só chora quando se lembra do filho, que faleceu ano passado. “Ele morreu de depressão por eu ter sido presa. Se eu não tivesse entrado nessa [nas drogas], ele não teria morrido. Isso me dói muito”, lamentou.
O 3º Mutirão deveria analisar a situação processual de 674 mulheres, de três unidades penais. Um balanço final será divulgado no início da próxima semana. Para a promotora Luciana Lepri, do Ministério Público, o mutirão corrige injustiças cometidas ao longo do processo.
“Há falha no julgamento, na instrução, no inquérito. É um processo todo com falhas, que terminam com um carimbo de condenado na testa de quem, muitas vezes, nem sequer deveria ter sido preso”, disse. “Eu saio desses mutirões revoltada, principalmente com a minha instituição. Direitos humanos não tem sido uma prioridade institucional”, desabafou.
“Eu não vejo a hora de dormir do lado dela. Vou dar mais valor a casa coisinha”, disse Águida*, de 26 anos, mãe de uma menina de olhos vivos, de dois anos e sete meses de idade. Entre os planos para um futuro breve, programas simples, como tomar sorvete e passear na praça.
Cobiçada pelas mães, a liberdade será uma novidade para as crianças. Elas nasceram e cresceram no ambiente prisional. O mais velho da creche, Daniel*, tem três anos e três meses e parece ter incorporado gírias típicas da cadeia. De quando em quando, solta expressões como “o bagulho tá loco”. Peralta, não fica parado nem por um instante e se encanta com objetos que não fazem parte do ambiente, como os óculos de sol deste repórter e a câmera do fotógrafo.
“A gente tentava tornar aqui [a creche] o mais perto de um lar. Mas nunca é igual. Não tem liberdade”, definiu a mãe do menino, Andressa*, de 35 anos. A perspectiva de mundo que as crianças têm acaba no alambrado da creche. Por causa disso, se apegam às mães mais que o normal e costumam estranhar tudo que é externo. “Se eles veem um cachorro ou um gato, já se assustam. Não faz parte do mundinho deles. Eles simplesmente não sabem nada da vida lá fora”, avalia Fabiane.
Apenas quando completam dois anos é que as crianças passam a frequentar uma escolinha fora do presídio. São levados por agentes, em uma van da penitenciária. E é da cadeia para a escola, da escola para a cadeia. Das 35 crianças da creche, apenas três frequentavam o colégio externo. Os outros 33, que têm menos de dois anos de idade, nunca tiveram qualquer contato com o mundo externo.
“A maioria dos funcionários cria um vínculo afetivo com as crianças, mas é importante que elas saiam daqui. Presídio não é lugar para criança”, disse a diretora da PFP, Rita de Cássia Costa.
Fonte e Foto: Gazeta do Povo
Publicado em 15/03/2014 | Felippe Aníbal
*nomes fictícios
“É um presente para mim e para ela”, comemorou Fabiane*, de 22 anos, presa quando estava no terceiro mês de gestação. Deu à luz dentro do complexo penal. Assim como ela, outras duas mulheres que tiveram filho depois de estarem atrás das grades também deixaram o presídio e passaram a cumprir prisão domiciliar.
Injustiças
Condenada por três pedras de crack“Não voltem mais, hein?”, brinca uma agente penitenciária, enquanto um grupo de presas da PFP embarcava no ônibus que as levaria para fora do presídio. Todas conquistaram, no 3º Mutirão Carcerário, a progressão para o regime semiaberto. Algumas histórias chamam a atenção pela severidade das penas imposta às detentas.
É o caso de Juliana*, de 22 anos, presa em Ivaiporã, porque portava três pedras de crack. Pela posse da droga, foi condenada a quatro anos e oito meses de prisão, por associação ao tráfico. Já passou um ano e cinco meses detida. Apesar disso, a jovem – que sonha em se formar em Direito – não se queixa da injustiça.
“Eu não reclamo, porque consegui mudar, consegui deixar o crack aqui dentro. Tive que aprender na marra”, disse.
Uma colega dela, Antônia*, de 41 anos, foi condenada a 19 anos, por tráfico de drogas. A presa conta que policiais invadiram a casa dela, em Almirante Tamandaré, sem mandado judicial e ameaçaram bater no filho, autista. “Eu gritei com os policiais e eles me revistaram. Acharam sete buchas de maconha no meu bolso e me prenderam”, contou.
Após quatro anos detida na PFP, Antonia foi ontem para o regime semiaberto. Só chora quando se lembra do filho, que faleceu ano passado. “Ele morreu de depressão por eu ter sido presa. Se eu não tivesse entrado nessa [nas drogas], ele não teria morrido. Isso me dói muito”, lamentou.
O 3º Mutirão deveria analisar a situação processual de 674 mulheres, de três unidades penais. Um balanço final será divulgado no início da próxima semana. Para a promotora Luciana Lepri, do Ministério Público, o mutirão corrige injustiças cometidas ao longo do processo.
“Há falha no julgamento, na instrução, no inquérito. É um processo todo com falhas, que terminam com um carimbo de condenado na testa de quem, muitas vezes, nem sequer deveria ter sido preso”, disse. “Eu saio desses mutirões revoltada, principalmente com a minha instituição. Direitos humanos não tem sido uma prioridade institucional”, desabafou.
Cobiçada pelas mães, a liberdade será uma novidade para as crianças. Elas nasceram e cresceram no ambiente prisional. O mais velho da creche, Daniel*, tem três anos e três meses e parece ter incorporado gírias típicas da cadeia. De quando em quando, solta expressões como “o bagulho tá loco”. Peralta, não fica parado nem por um instante e se encanta com objetos que não fazem parte do ambiente, como os óculos de sol deste repórter e a câmera do fotógrafo.
“A gente tentava tornar aqui [a creche] o mais perto de um lar. Mas nunca é igual. Não tem liberdade”, definiu a mãe do menino, Andressa*, de 35 anos. A perspectiva de mundo que as crianças têm acaba no alambrado da creche. Por causa disso, se apegam às mães mais que o normal e costumam estranhar tudo que é externo. “Se eles veem um cachorro ou um gato, já se assustam. Não faz parte do mundinho deles. Eles simplesmente não sabem nada da vida lá fora”, avalia Fabiane.
Apenas quando completam dois anos é que as crianças passam a frequentar uma escolinha fora do presídio. São levados por agentes, em uma van da penitenciária. E é da cadeia para a escola, da escola para a cadeia. Das 35 crianças da creche, apenas três frequentavam o colégio externo. Os outros 33, que têm menos de dois anos de idade, nunca tiveram qualquer contato com o mundo externo.
“A maioria dos funcionários cria um vínculo afetivo com as crianças, mas é importante que elas saiam daqui. Presídio não é lugar para criança”, disse a diretora da PFP, Rita de Cássia Costa.
Fonte e Foto: Gazeta do Povo
Publicado em 15/03/2014 | Felippe Aníbal
*nomes fictícios
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