(Foto: Labanca)
Em dezembro de 2010, na 65ª Assembléia Geral da ONU, foram aprovadas as “Regras Mínimas para Mulheres Presas”, consideradas um importante instrumento na defesa dos direitos de mulheres e jovens encarceradas. Por meio dessa norma internacional, os Estados reconhecem que elas necessitam, com urgência, de atenção diferenciada e que há um déficit no atendimento às especificidades do coletivo feminino nas prisões. Elaborada por representantes da ONU, de governos e da sociedade civil de diversos países, deverá ser uma diretriz para as políticas públicas a serem adotadas pelo Brasil e pelos demais Estados.As “Regras Mínimas para o Tratamento de Presos” da ONU já existiam há mais de 50 anos, mas não davam respostas suficientes para as necessidades especiais das mulheres e não contemplavam situações concretas de privação de liberdade vividas por elas. “Essa necessidade ficou mais clara, em certa medida, em razão do crescente aprisionamento feminino e da indicação de importância e urgência apontada pelos movimentos sociais”, afirma a juíza Kenarik Boujikian Felippe, co-fundadora da Associação Juízes para a Democracia e membro do Grupo de Estudos e Trabalho “Mulheres Encarceradas”.
O documento aprovado pela ONU incentiva os Estados a adotarem medidas alternativas à prisão feminina, levando em conta a gravidez ou a responsabilidade de cuidado dos filhos e filhas. Além disso, estabelece que antes do ingresso na prisão, deverá ser permitido às mulheres com crianças sob sua responsabilidade adotar as providências necessárias, inclusive suspendendo a reclusão por um período razoável, em função do seu interesse superior.
Orienta que essas mulheres, na medida do possível, deverão ser enviadas a prisões próximas às suas casas; que as condições de higiene dos locais de reclusão deverão ser adequadas para o cuidado de bebês, para cozinhar e para amamentar; que nos exames médicos, homens não podem estar presentes, só funcionárias; que as mulheres deverão ter acesso a exames preventivos, como Papanicolau e de detecção de câncer de mama; que não serão aplicadas sanções de isolamento disciplinar às mulheres grávidas, em período de amamentação ou com filhos na prisão; não se utilizarão meios de coerção, como algemas, durante o parto ou no pós-parto.
Estabelece ainda que devem ser oferecidos programas de tratamento especializado para as consumidoras de drogas e que deve ser elaborada uma política ampla de atenção à saúde mental, para prevenir o suicídio e as lesões autoinfligidas. Sobre as revistas, afirma que não podem ser vexatórias, resguardando a dignidade e o respeito às presas e a seus familiares. As visitas dos filhos devem ser prolongadas e em um ambiente apropriado para as crianças.
Há alguns anos, o problema do aprisionamento feminino passou a ser alvo de preocupações na ordem internacional. A ONU apresentou em 2004 um estudo indicando que uma grande porcentagem das presas é mãe e se encarrega de cuidar dos filhos e que não existem políticas públicas adequadas no tratamento das mulheres em privação de liberdade. Embora elas ainda constituam um percentual bastante pequeno da população carcerária no mundo, constatou-se um aumento do aprisionamento feminino, o qual normalmente não se circunscreve a delitos violentos. Houve nos últimos tempos o crescimento dos índices de encarceramento de mulheres presas por tráfico de entorpecentes, sendo usadas muitas vezes no transporte de drogas como “mulas”, e a maioria portando pouca quantidade.
“Esse retrato se aplica integralmente às mulheres presas no Brasil no qual se constata que as mulheres estão reclusas em estabelecimentos pensados e desenhados para homens”, comenta Kenarik. Nesse período, a sociedade civil e movimentos feministas se mobilizaram no Brasil e criaram o Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas – com os olhos voltados para a realidade da mulher presa, suas condições de encarceramento, seu acentuado perfil de exclusão social, a emergência de atendimento a seus direitos, a violência de gênero – que começou a apresentar propostas para que essa situação pudesse ser alterada.
“Os crimes cometidos pelas mulheres encarceradas costumam ser de menor potencial ofensivo, a prisão deveria ser a última opção e não a regra para esses casos. A maior parte das vezes é muito mais uma questão socioeconômica do que de violência. É preciso repensar sobre como lidar com isso. Como lidar, por exemplo, com as mulheres que furtam?”, questiona Heidi Cerneka, coordenadora nacional da questão da mulher presa da Pastoral Carcerária, que participou da construção do documento. Segundo ela, a prisão não é o lugar certo para essas pessoas, é necessária uma mentalidade mais progressista e criativa, que ajude essas mulheres a reassumirem suas próprias vidas para não voltarem a cometer tais crimes.
Fonte: Associação Brasileira de Organizações não Governamentais
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