1. As penas alternativas à prisão
As penas alternativas tiveram um grande avanço em nosso sistema positivo através da Lei 6.416, de 24.05.1977, e da Lei 7.209, de 11.07.1984. A Exposição de Motivos do Proj.-lei 1.656/83, do qual resultou a Lei 7.209/1984, ao sustentar a introdução das penas restritivas de direitos, contém passagens de rigorosa atualidade: “26. Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras para delinquentes sem periculosidade ou crimes menos graves. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa de liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade. 27. As críticas que em todos os países se tem feito à pena privativa de liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinquentes habituais e multirreincidentes, os elevados custos de construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho. 28. Esse questionamento da privação da liberdade tem levado penalistas de numerosos países e a própria Organização das Nações Unidas a uma ‘procura mundial’ de soluções alternativas para os infratores que não ponham em risco a paz e a segurança da sociedade”.1
2. Relação legal das alternativas à prisão
O Código Penal prevê duas modalidades de alternativas às penas privativas de liberdade (reclusão e detenção): a) penas restritivas de direitos; b) pena de multa (art. 32, II e III). As espécies das primeiras são: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana (CP, art. 43).
Esta relação foi consagrada pela Constituição Federal com as seguintes indicações: a) restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) interdição de direitos (art. 5º, a,b,c,d e e).
3. Municipalização das alternativas penais
A municipalização das alternativas penais constitui um generoso projeto da fecunda administração da Secretária de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, sob a gestão da Procuradora de Justiça, Maria Tereza Uile Gomes. A ideia tem suporte fundamental no princípio de descentralização de órgãos, atividades e serviços relativos à União e às unidades federativas mas que pode e deve envolver também o Município como ente político de notável representação e participação popular.
Com efeito, há muito tempo que a Educação, a Saúde e outros serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, são prestados pelos municípios como dispõe a Constituição Federal (art. 30, V, VI e VII). Também a Segurança Pública, que a lei fundamental declara como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (art. 144), admite a descentralização de competência com a constituição das guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações de interesse local (art. 144,§ 8º).
Em texto publicado há alguns anos na Gazeta do Povo eu comentei sobre a existência de muitos delitos que afetam diretamente o sentimento dos moradores do bairro ou da cidade: as infrações de trânsito, os crimes contra o consumidor e contra o meio ambiente são exemplos evidentes da necessidade de se criar uma polícia municipal de caráter ostensivo e preventivo, melhor identificada com o público ao qual deverá servir. A municipalização da segurança pública é um assunto considerado gênero de primeira necessidade e fatalmente será agendado pelos candidatos ao cargo de prefeito e estimulado pelos agentes de publicidade com as frases e as imagens que produzem talentosamente.
O mesmo se pode dizer quanto à prestação jurisdicional. Além dos juízes de Direito federais e estaduais o Poder Judiciário também deverá atuar nos municípios com quadros próprios de magistrados e servidores com competência para processar e julgar determinados tipos de infração, conforme disposição legal.
E assim também deverá ocorrer com a municipalização da execução penal, mediante parcerias público-privadas.
4. O Patronato como órgão de execução penal
No sistema da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), o Patronato é um dos órgãos da execução da pena e a sua importância é relevantíssima porque, segundo este diploma, em cada comarca deverá haver um Patronato, público ou particular destinado a prestar assistência aos albergados2 e aos egressos (art. 78). Considera-se egresso para os efeitos da lei especial: a) o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) anos a contar da saída do estabelecimento; b) o liberado condicional, durante o período de prova (LEP, art. 26)
Mas as atribuições do Patronato não se resumem às indicadas acima. Incumbe também a este órgão: a) orientar os condenados è pena restritiva de direitos; b) fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas3 e de limitação de fim de semana; c) colaborar na fiscalização das condições da suspensão e do livramento condicional (LEP, art. 79.
5) O drama ambulante do egresso
Egresso é o liberado em definitivo, assim considerado pelo prazo de 1(um) ano a contar da data de saída do estabelecimento penal e também o liberado condicional, durante o período de prova (LEP, art, 26, I e II). O Estado tem o dever de proporcionar a devida assistência social ao egresso para reintegrá-lo à vida livre, concedendo, se necessário, alojamento e alimentação em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses. Tal prazo poderá ser prorrogado uma única vez “comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego” (LEP, art. 25 e parágrafo único).
O egresso é, não raramente, o personagem cinzento cuja linha divisória esfumada entre a prisão e a liberdade sujeita-o à pena atípica de proscrição social pelas mais variadas formas de exclusão. Um compromisso do poder público, inspirado na Declaração Universal dos Direitos do Homem – DUDH (Paris, 1948), está declarado no art. 27 da LEP: “O serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção do trabalho”.
Com efeito, estabelece o art. XXIII do histórico documento: “1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito à igual remuneração por igual trabalho”. E a CF inclui o direito ao trabalho como um dos direitos sociais (art. 6, caput). A DUDH foi adotada e proclamada pela Resolução 217-A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948 e assinada pelo Brasil em 10.12.1948.
Ao observar que a reincidência é “o dedo posto em uma ferida”, Delmanto enfatiza: “Afinal, não podemos lidar com a sanção penal como uma espécie de ‘neutralização’ da pessoa condenada por determinado período de tempo como vem ocorrendo em nosso país há décadas, descuidando-se, por completo, do egresso, isto é, daquele que sai da cadeia e, de modo completamente desamparado, é jogado de volta em uma sociedade com toda a sorte de preconceito, inclusive de familiares. Uma sociedade que não é mais a sua, onde não é mais reconhecido e não tem espaço...”.4 De acordo com Mirabete, “considera-se como egresso o liberado definitivo pelo prazo de um ano, a contar da saída do estabelecimento penal, e o liberado condicional, durante o período de prova”.5
Na literatura universal, nenhum autor descreveu como Oscar Wilde as agruras do abandono em sua obra clássica: De Profundis – Balada do Cárcere. São suas estas palavras: “Ao serem libertados, muitos homens levam consigo a prisão, escondem-na no coração como uma desgraça secreta, e por fim, como pobres coisas envenenadas, deixam-se cair num buraco e morrem. É uma pena que tenham de fazê-lo e é errado, terrivelmente errado, da parte da sociedade, forçá-los a isso. A sociedade apropria-se do direito de infligir castigos espantosos aos indivíduos, mas também tem o supremo vício da vulgaridade e não compreende o que fez. Quando os castigos do homem acabam, abandona-o a si mesmo; isto é, abandona-o no próprio momento em que começa seu mais importante dever para com ele. Está realmente envergonhada de suas ações e rejeita aqueles que puniu, como as pessoas rejeitam um credo a quem não podem pagar, ou alguém a quem infligiram um mal irreparável, irredimível. Quanto a mim, declaro que, se compreendi aquilo que me foi infligido; a sociedade devia compreender aquilo que me infligiu; e que não deveria haver amargura nem ódio de nenhuma das partes.” Relatando as suas memórias do cárcere, na intensidade dos maiores sofrimentos, Dostoiévski escreveu que “o famoso sistema celular só atinge, estou disto convencido, um fim enganador, aparente. Suga a seiva vital do indivíduo, enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o, e, no fim, apresenta-no-lo como modelo de correção, de arrependimento, uma múmia moralmente dissecada e semilouca”6
6. A contribuição do Paraná
O nosso Estado conta hoje com 7 (sete) Patronatos Municipais. Estes órgão estão instalados em Apucarana, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Jacarezinho, Paranavaí, Pitanga e Pontal do Paraná. E sob gestão estadual há o Patronato Penitenciário do Estado e o Patronato Penitenciário de Londrina.
Não resta dúvida de que esta contribuição é relevantíssima porque estimula a criação de outros órgãos desta natureza em diversas unidades da Federação e muitos municípios que estejam em sintonia com os projetos públicos de cumprir o art. 1º da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), que proclama: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
* René Ariel Dotti. Professor Titular de Direito Penal ● Corredator dos projetos que se converteram na Lei nº 7.209/1984 e na Lei nº 7.210/1984 (reforma da Parte Geral do Código Penal e Lei de Execução Penal) ● Advogado.
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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
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