Detentos mantidos em prisões mesmo após a extinção da pena representam 10% dos processos analisados
Um balanço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os 53 meses de funcionamento dos mutirões carcerários, que começaram em agosto de 2008, revela que é assustador o número de detentos que permaneceram encarcerados depois de extinta a pena: dos 451.828 processos analisados até dezembro deste ano, pelo menos 47 mil detentos, ou 10,40% do total, estavam presos indevidamente e foram postos em liberdade.
No mesmo grupo analisado, aqueles que não tinham acesso a assistência jurídica e, pelo mutirão, passaram a contar com benefícios que também resultaram em liberdade - seja através do livramento condicional por progressão para regime semiaberto, aberto, trabalho externo ou que tinham direito ao alvará de soltura por estarem recolhidos provisoriamente - chegam a 87.648, 19,39% dos processos analisados ou quase l8% de toda a massa carcerária do país.
“Esses presos são conhecidos como esquecidos”, diz o coordenador da Pastoral Carcerária Nacional, padre Valdir João Silveira. Segundo ele, são pessoas jogadas no sistema penitenciário e ignoradas pela justiça, pela sociedade e, muitas vezes, até pela família.
Valdir lembra que, embora resgatem direitos, os mutirões carcerários do CNJ são feitos por amostragem, ou seja, ainda estão longe de representar um pente fino no sistema. “Se a justiça fosse de qualidade e os demais detentos tivessem o mesmo tratamento dos réus do mensalão na execução das sentenças, afirmo, sem medo de errar, que atualmente 60% dos presos brasileiros estariam na rua”, garante o religioso. Segundo ele, atualmente 40% da massa carcerária é formada por presos provisórios.
Os dados do CNJ demonstram também que as prisões se transformaram em depósitos humanos. No caso dos provisórios, a situação é mais alarmante: a maioria só conhecerá o advogado ou um defensor público no dia do julgamento.
Numa visita que fez em novembro à cadeia de Imperatriz (MA), o padre Valdir descobriu, durante conversa com a administradora da prisão, que 54 detentos sem julgamento haviam sido esquecidos. Os casos foram, então, levados ao juiz da comarca, que determinou a soltura imediata depois de verificar que se tivessem sido condenados pelos crimes a eles atribuídos, os detentos já estariam há anos em liberdade.
Em São Paulo, no Cadeião de Pinheiros, a Pastoral Carcerária Nacional, entidade ligada à Igreja Católica, encontrou um deficiente mental que, por ingenuidade e estimulado por colegas, havia molestado uma moça. “O rapaz está há quatro meses preso sem que ninguém do sistema tenha ainda analisado o caso”, denuncia o padre Valdir.
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Sistema falido
Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do CNJ, o juiz Douglas Martins sustenta que sem os mutirões o sistema prisional já teria entrado em colapso em função do aumento sempre crescente da população carcerária que saltou de 490 mil detentos em 2008 para 560 mil este ano.
“O primeiro efeito dos mutirões foi minimizar o crescimento populacional”, diz o juiz. Segundo ele, o trabalho do CNJ também ajudou a chamar a atenção do país para o encarceramento em massa. Estimulado pela sensação de impunidade, a máquina policial faz uma “opção preferencial pelos pobres” envolvidos em crimes contra patrimônio e tráfico de drogas, que são mais de 90% dos detentos e representam uma contradição diante da tendência mundial.
Os detentos envolvidos em crimes contra a vida, que nos países desenvolvidos merecem mais atenção, são 53 mil, menos de 10% da população carcerária. “O mutirões mostram que o sistema prisional faliu e hoje está dominado por facções criminosas”, afirma o juiz Martins. Segundo ele, em função de uma política equivocada, o Brasil caminha celeremente para ocupar a terceira posição em encarceramentos, assumindo o lugar da China, país com 1 bilhão e 341 milhões de habitantes.
Os mutirões
Os mutirões do CNJ começaram em 2008 sob a gestão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), como presidente do CNJ e resultaram na libertação imediata de 20.358 detentos cujos direitos não estavam sendo respeitados.
De agosto de 2008 a abril de 2010, Mendes visitou 20 estados, sobre os quais o CNJ analisou 108.048 processos, resultando em 33.925 vários tipos de benefícios, como concessão de liberdade, progressão de regime (para aberto ou semiaberto), cumprimento de alvará de soltura, extinção da pena, livramento condicional e autorização para trabalho externo.
Pelo ineditismo, a iniciativa do mutirão carcerário foi premiada em 2009 pelo Instituto Innovare por atender o conceito de justiça rápida e eficaz.
Na gestão do ex-ministro Cezar Peluso, entre fevereiro de 2010 a dezembro de 2011, a produção do CNJ aumentou. Dos 310.079 processos analisados, 48.308 benefícios foram concedidos, dos quais, 24.884 relacionados a detentos cujas penas já haviam sido cumpridas.
A gestão do atual presidente, Joaquim Barbosa, ainda está pela metade. Os números são mais modestos, mas ainda assim surpreendentes. Dos 33.703 casos analisados, 5.415 resultaram em benefícios aos detentos, alguns com a extinção da pena, livramento condicional, revogação ou relaxamento da prisão no caso dos provisórios.
O balanço final de 2013 ainda vai incluir os números de 17 estados cujos tribunais acataram recentemente a resolução do CNJ e adotaram regimes de mutirão para monitorar e fiscalizar a aplicação das penas e os direitos dos detentos. O contingente dos presos esquecidos ou que não tiveram acesso a direitos elementares será bem maior do que os revelados agora pelo CNJ.
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