A cada três apresentações, reeducandos têm um dia reduzido na pena.Ensaios são realizados em cozinha e estúdio é improvisado em banheiro.
Todos os membros da banda estão presos no Centro de Ressocialização, em Cuiabá. O G1 acompanhou um ensaio dentro da unidade prisional e uma apresentação da banda, que encerrou a 5ª Semana de Ressocialização de Mato Grosso nesta sexta-feira (26). Os reeducandos, que cumprem pena por crimes como tráfico de drogas e até homicídio, têm autorização judicial para sair da unidade durante as apresentações e são escoltados por agentes prisionais. Em qualquer lugar que se apresentam, a Cazuluz causa espanto e surpresa, ainda mais quando as pessoas tomam conhecimento que os integrantes da banda são reeducandos.
O líder do grupo, o reeducando e músico Ronivaldo Martins Teixeira, é o idealizador da banda. Multi-instrumentista, Teixeira disse que quando foi preso entrou em uma grande depressão. Na cela, ele tocava violão para passar o tempo. “Naquele momento, a música se tornou uma necessidade pra mim. Ela [música] amenizou aquela tristeza internalizada que eu estava tendo”, lembra.
Ronivaldo Teixeira se uniu com outros presos e solicitou à unidade um mínimo de estrutura para a criação da banda. Ele mesmo fez a seleção dos integrantes e assim surgiu a Cazuluz. O bateirista, Ricardo dos Santos, contou ao G1 que antes de ser preso, o pai dele havia comprado uma bateria. O problema é que Santos nunca tocou o instrumento. Depois de preso, tudo mudou. “Ela estava encostada em casa. Eu iria falar para o meu pai vendê-la, mas eu entrei na banda e hoje ela tem utilidade, é a minha vida”, disse.
Para um dos vocalistas, Josimar de Souza Cristóvão Paes, a existência da banda é um divisor de águas na vida dele. “Eu agradeço a Deus pela oportunidade de estar aqui, de fazer parte deste grupo”, afirmou, com voz embargada. Ensaios e apresentações da banda contam na redução das penas dos integrantes. Três apresentações, por exemplo, equivalem a um dia a menos de prisão.
Dificuldades
Apesar de pioneira, a banda corre sério risco de desaparecer. Os instrumentos musicais são dos próprios reeducandos e, quando eles deixarem a prisão, vão levar consigo todos os instrumentos.
De acordo com a coordenadora do setor de Educação e Produção do Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), Alvair Maria Barbosa Ferreira, o problema emperra a criação de outros grupos. “O projeto corre um grande risco de morrer antes que todos possam perceber a existência dele porque os instrumentos não pertencem à instituição. No momento em que o reeducando deixa a instituição é um instrumento a menos”, enfatizou.
Os membros da Cazuluz também estão preocupados com o problema. Mas já decidiram seguir com a música fora dos muros do presídio. “Não vamos deixar o projeto morrer. Aqui dentro nós somos o Cazuluz, nos transformamos em uma família. Lá fora nós seremos os Borboletas”, ressaltou Teixeira, em alusão ao processo de transformação do inseto.
Três dos cinco integrantes estão prestes a obter na Justiça progressão de pena para o regime semi-aberto. Outros três reeducandos estão à espera de autorização para fazer parte da banda. Para entrar na Cazuluz, os reeducandos, além de ter bom comportamento, terão que passar por uma comissão de avaliação e saber tocar algum instrumento musical. "Quando a gente faz alguma apresentação dentro do presídio, voltamos com muitos recados dos outros colegas querendo entrar na banda", atesta um dos vocalista da Cazuluz, Josimar Paes.
As dificuldades não param por aí. A gravação dos CDs da banda é precária e feita no interior do box de um banheiro desativado. No cubículo há espaço apenas para uma cadeira e uma mesa que serve de apoio para um notebook. Há também latas com pedras que são utilizadas para percussão. “Eu gravo instrumento por instrumento e neste computador uno as vozes e o som de todos os instrumentos”, informou Teixeira. A banda conta com 500 cópias dos dois CDs gravados. Eles comercializam os CDs ao custo de R$ 10. O dinheiro é revertido para manutenção dos instrumentos, caixas de som, confecção dos uniformes e impressão dos CDs.
Sonho
Os ensaios da banda são realizados em um espaço utilizado como sala de aula e cozinha. O local não tem revestimento de acústica. Todos os dias, a banda concorre com o ruído de uma serralheria instalada ao lado da sala. O repertório do terceiro CD já está pronto e aguarda recursos para ser gravado.
Mesmo diante de tantos empecilhos, a banda não deixa de sonhar. Além da formação do grupo fora da unidade prisional, eles sonham em participar do projeto 'Olha Minha Banda', do Caldeirão do Huck, da Rede Globo. “Nós temos qualidade musical e bagagem para isso. Fazer parte deste projeto seria uma forma de divulgar o nosso trabalho, para que outros presídios possam inserir a banda dando ao preso aquela sensação de utilidade”, finalizou.
Outro lado
Em entrevista ao G1, o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Paulo Lessa, responsável pela administração do sistema prisional de Mato Grosso, informou que os projetos de ressocialização no estado passam por dificuldades devido à falta de recursos. “Esta pasta foi relegada a segundo plano e vem sendo relegada há décadas. Hoje é que nós estamos tendo uma preocupação real, de resolver este problema [ressocialização] que há muito tempo está sem solução. Esse é o motivo da situação atual”, disse o secretário.
Lessa ainda informou que uma das finalidades da prisão é ressocializar o preso a tal ponto que ele “seja reinserido na sociedade para que não venha a reincidir no crime”. O problema, porém, é que no estado, segundo Lessa, 85% dos presos ainda são reincidentes. Ele não soube explicar se haverá contingenciamento de recursos para melhorar e implementar os projetos de ressocialização, mas enfatizou apenas que a construção de novas unidades prisionais e a reforma das existentes podem amenizar o problema da superlotação.
A coordenadora dos projetos de ressocialização no CRC faz um apelo. “Nós gostaríamos de sensibilizar os órgãos públicos, a sociedade e aqueles que puderem fazer doação para esta banda para que ela nunca morra, para que nós consigamos criar outros grupos também. Isso é muito importante pra nós”, finalizou a coordenadora do projeto, Alvair Ferreira.
Fonte e Foto: Dhiego Maia/G1
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