O porteiro Waldenei Ramos, 29, destranca o cadeado, abre a porta e sorri ao recepcionar os visitantes. Quem vê a cena nem imagina que ele cumpre pena por roubo e dois anos atrás estava em um presídio de segurança máxima da região metropolitana de Minas Gerais.
As coisas nas chamadas Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados) são bem diferentes de uma penitenciária convencional e podem chocar o expectador acostumado às imagens de superlotação, sujeira, abusos e violência. No novo modelo prisional adotado no Estado, o preso literalmente detém a chave da cadeia.
"Óbvio que se o preso quiser fugir, ele vai fugir. Mas o índice de fugas é muito baixo", disse o secretário estadual de Defesa Social, Maurício Campos Jr.
As coisas nas chamadas Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados) são bem diferentes de uma penitenciária convencional e podem chocar o expectador acostumado às imagens de superlotação, sujeira, abusos e violência. No novo modelo prisional adotado no Estado, o preso literalmente detém a chave da cadeia.
- O porteiro Waldenei Ramos abre portão da ala dos presos que cumpre pena no semi-aberto
- Enquanto cumpre pena, Ramos é o responsável não só pela portaria, como também pela escolta dos outros detentos. Isso significa que quando alguém precisa ir ao médico, por exemplo, é ele que faz o acompanhamento. Os presos vão e voltam por conta própria em carros da unidade.
"O que me faz voltar é a minha responsabilidade", resumiu ele, que já cumpriu dez anos na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. "Quando saí daqui pela primeira vez, para cantar com o coral em Itaúna [MG], fazia oito anos que eu estava preso. Mesmo assim, aqui eu tinha uma chance de recomeçar a vida", contou.
"É uma relação de confiança e de corresponsabilidade. Um preso é responsável pelo outro. Se um foge, a culpa é do outro", explicou o subsecretário de administração prisional do Estado, Genilson Ribeiro Zeferino.
Detento fala sobre a vida na
Apac
O lugar também chama a atenção por não ter guardas prisionais ou qualquer pessoa armada. A construção tem áreas verdes, um pátio sem muros, galpões para atividades, salas e dormitórios sem grade. Os presos passam o dia trabalhando e são responsáveis por todo o funcionamento da unidade, seja na cozinha, no armazém, no barbeiro, no jardim ou na limpeza.
Eles também cuidam das punições àqueles que saem da linha. Não são tolerados celulares, drogas, tentativa de fuga ou agressão. O Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), formado por nove presos eleitos, é responsável por recomendar os castigos à direção da unidade. Na maioria das vezes, a pena é ficar alguns dias isolado em celas "repensando a vida" --não há punições físicas.
A Apac é uma associação formada por membros da comunidade, que elegem uma diretoria responsável pela gestão da unidade. O governo entra com os recursos. Em Santa Luzia, os diretores vieram da PUC de Minas Gerais, da arquidiocese de Belo Horizonte e da Congregação Irmãos Marista.
O método usado, segundo explica a diretora Mary Lúcia da Anunciação, baseia-se em três pilares: amor incondicional ao preso, confiança e disciplina. Ele parte do princípio de que ninguém é irrecuperável, de que é preciso promover a dignidade humana e de que com a participação da comunidade a chance de reinserção é muito maior.
"Não temos garantia nenhuma na vida, não é? Mas aqui o preso é o principal protagonista da confiança e deve responder a isso. Se você trata bem, trata como ser humano, confia, oferece condições para ele mudar e cobra disciplina, eles respondem", disse.
O choque de realidade também faz parte do processo. Os detentos precisam passar pelos presídios convencionais antes de serem aceitos na Apac.
Outra premissa do trabalho é não identificar o preso pelo crime. "Dizemos que aqui entra o homem e o crime fica do lado de fora. Nem eu sei que crime cada um deles cometeu. Aqui, presos por estupro convivem com os outros", contou Mary Lúcia.
Segundo ela, ali vivem homens condenados por estupro, latrocínio e homicídio, por exemplo, mas cerca de 70% dos presos responde por tráfico de drogas ou roubo.
Por mais surreal e até piegas que pareça, aparentemente funciona. Desde que a unidade de Santa Luzia, a 16 km de Belo Horizonte, foi inaugurada, há quase quatro anos, oito presos fugiram, índice considerado baixíssimo pelo subsecretário. Os casos, fez questão de frisar Zeferino, foram registrados nos três primeiros meses de funcionamento do modelo.
A unidade abriga 129 presos, sendo que 92 deles cumprem pena em regime fechado e 38 em semi-aberto.
Um dos presos do semi-aberto é Henrique Mendes Pereira, que veio da cadeia do Palmital, também em Santa Luzia. Há 11 meses na Apac, ele se prepara para ganhar a liberdade e contou que naquela tarde sairia para acompanhar pela primeira vez o ultrassom da mulher, grávida da primeira menina do casal. "Ela vai nascer no mês que eu vou sair daqui", festejou. No regime semi-aberto, os detentos têm direito a cinco saídas por ano de sete dias cada.
Pereira falou sobre a vida na unidade: "É bom, melhor que antes. No sistema comum é muita tortura psicológica. Aqui não, né? Aqui eu posso voltar pra sociedade com dignidade. É isso que me mantém aqui e me faz ter esse comportamento".
O governo de Minas mantém 25 Apacs, que juntas podem abrigar 1.518 presos. Nesse modelo não há superlotação ou rebeliões. O problema é que enquanto milhares de presos se acotovelam nos outros presídios do Estado -que possui um déficit de cerca de 12 mil vagas-- sobram 323 vagas nas unidades de reintegração. Só na unidade de Santa Luzia, há 71 vagas.
"O juiz de execução faz uma transferência gradativa dos presos para cá. São escolhidos aqueles que têm família na região, porque o foco é a reintegração com a sociedade e a família facilita isso", explicou Mary. "Além disso, o preso precisa querer vir para cá e aceitar as condições, se dispor a agir de maneira responsável. Há casos de quem não queira. Não são muitos, mas há".
Segundo ela, o tipo de delito e o tamanho da pena não são levados em conta na hora de determinar quem será convidado para integrar uma Apac.
O choque de realidade também faz parte do processo. Os detentos precisam passar pelos presídios convencionais antes de serem aceitos na Apac.
Outra premissa do trabalho é não identificar o preso pelo crime. "Dizemos que aqui entra o homem e o crime fica do lado de fora. Nem eu sei que crime cada um deles cometeu. Aqui, presos por estupro convivem com os outros", contou Mary Lúcia.
Segundo ela, ali vivem homens condenados por estupro, latrocínio e homicídio, por exemplo, mas cerca de 70% dos presos responde por tráfico de drogas ou roubo.
Por mais surreal e até piegas que pareça, aparentemente funciona. Desde que a unidade de Santa Luzia, a 16 km de Belo Horizonte, foi inaugurada, há quase quatro anos, oito presos fugiram, índice considerado baixíssimo pelo subsecretário. Os casos, fez questão de frisar Zeferino, foram registrados nos três primeiros meses de funcionamento do modelo.
A unidade abriga 129 presos, sendo que 92 deles cumprem pena em regime fechado e 38 em semi-aberto.
Um dos presos do semi-aberto é Henrique Mendes Pereira, que veio da cadeia do Palmital, também em Santa Luzia. Há 11 meses na Apac, ele se prepara para ganhar a liberdade e contou que naquela tarde sairia para acompanhar pela primeira vez o ultrassom da mulher, grávida da primeira menina do casal. "Ela vai nascer no mês que eu vou sair daqui", festejou. No regime semi-aberto, os detentos têm direito a cinco saídas por ano de sete dias cada.
Pereira falou sobre a vida na unidade: "É bom, melhor que antes. No sistema comum é muita tortura psicológica. Aqui não, né? Aqui eu posso voltar pra sociedade com dignidade. É isso que me mantém aqui e me faz ter esse comportamento".
O governo de Minas mantém 25 Apacs, que juntas podem abrigar 1.518 presos. Nesse modelo não há superlotação ou rebeliões. O problema é que enquanto milhares de presos se acotovelam nos outros presídios do Estado -que possui um déficit de cerca de 12 mil vagas-- sobram 323 vagas nas unidades de reintegração. Só na unidade de Santa Luzia, há 71 vagas.
"O juiz de execução faz uma transferência gradativa dos presos para cá. São escolhidos aqueles que têm família na região, porque o foco é a reintegração com a sociedade e a família facilita isso", explicou Mary. "Além disso, o preso precisa querer vir para cá e aceitar as condições, se dispor a agir de maneira responsável. Há casos de quem não queira. Não são muitos, mas há".
Segundo ela, o tipo de delito e o tamanho da pena não são levados em conta na hora de determinar quem será convidado para integrar uma Apac.
- Fabiana Uchinaka
Enviada especial do UOL Notícias*
Em Santa Luiza (MG)
* A repórter viajou a convite do Governo de Minas Gerais
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