Tráfico é o crime mais encarcerador do país
LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
O roubo qualificado era o crime mais encarcerador
do país em 2005 (22% dos presos). De acordo com os levantamentos do
Instituto Avante Brasil, com base nos dados divulgados pelo DEPEN
– Departamento Penitenciário Nacional, o tráfico de entorpecentes ocupava o
segundo lugar, representando 13,4% das prisões. Em 2011 o
cenário se inverteu. O tráfico nacional de entorpecentes passou a ocupar
a posição de crime mais encarcerador do país, com 24%
do total de prisões, enquanto que o roubo qualificado passou a
constituir 17% delas.
São muitas as razões que explicam o fenômeno.
Dentre elas cabe destacar as seguintes:
(a) em 2006 foi promulgada a nova Lei de Drogas e isso, certamente, muito contribuiu para o crescimento de 282% no número de presos por tráfico de entorpecentes (nacional e o internacional) entre 2005 e 2011, enquanto o número de prisões por roubo (simples e qualificado) cresceu 88%.
(b) o cenário acima retrata verdadeira
mutação e evolução da criminalidade. As razões para a migração
do crime de roubo para o de tráfico, é de se supor, relacionam-se com as
vantagens econômicas advindas deste crime. Dinâmico, de fácil manuseio e menos
arriscado que o delito de roubo, o tráfico é uma alternativa rápida, certa e
segura para o enriquecimento, independentemente do sexo, idade e classe social,
mesmo porque se trata de um crime em que a vítima busca a vitimização.
(c) houve aumento do poder aquisitivo do
brasileiro. A pobreza está diminuindo e a desigualdade está caindo. Estudo
realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da
República mostra que, apesar da crise financeira global, entre 2008 e 2009, a
pobreza reduziu (no Brasil) de 25,3% para 23,9% da população (Valor Econômico de
26.06.12, p. A4). Em dez anos, o recuo foi de 15,1 pontos percentuais, ou seja,
em 1999, 39% da população era considerada pobre, contra 23,9% em 2009 (30
milhões de brasileiros saíram da pobreza).
(d) muitos mercados estão correndo atrás desses
potenciais consumidores. Inclusive a criminalidade organizada. A melhora do
poder econômico do brasileiro nos últimos anos bem como a oferta mais intensa de
drogas (sobretudo depois das dificuldades de refino constatadas na Colômbia) são
fatores plausíveis explicativos tanto do (provável) aumento do consumo das
drogas como da superpopulação carcerária vinculada ao tráfico de drogas (24% dos
presos em 31.12.11, contra 13,4% em 2005, conforme informação do Depen).
(e) em seis anos quase duplicou o número de
presos por força do tráfico de drogas. De acordo com a teoria multifatorial
(García-Pablos e Gomes: 2010, p. 282), para qualquer evento na área criminal
sempre vários fatores concorrem. Aos acima apontados (aumento do poder
aquisitivo do brasileiro e maior oferta das drogas) cabe ainda agregar o fato de
que muitos usuários de droga continuam sendo etiquetados como traficantes.
Pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP constatou que o “pequeno
traficante” é o grupo mais reprimido pela polícia. Conforme o “Psicoblog” “A
partir da análise de 667 autos de flagrante de tráfico de drogas foi constatado
que a média das apreensões é de apenas 66,5 gramas. Somente em 7% dos casos os
detidos portavam mais de 100 gramas de maconha, em 6,5% estavam com a mesma
quantidade ou mais de cocaína. A pesquisa ainda apontou que 57% dos acusados não
apresentavam antecedentes criminais e 43% apresentaram algum registro, dos quais
17% haviam sido processados por crime de tráfico.” Ou seja: tendencialmente
pode-se afirmar que muitos usuários estão sendo processados como traficantes e
que “pequenos traficantes” estão sendo processados como “grandes traficantes”.
Isso está contribuindo para a superlotação dos nossos cárceres, composto de
“usuários ou pequenos traficantes”, mesmo porque 84% desses presos não tiveram
assistência jurídica no momento da prisão.
(f) a norteamericanização da política criminal
repressiva também vem contribuindo para a superlotação dos cárceres da miséria
(como diz Vacquant), porque, para lá, não vão somente os violentos (45%), sim,
sobretudo, os não violentos (55%). Deveríamos repensar, em relação a esse último
grupo com certeza, a pena de prisão.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e do
atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas redes sociais: www.professorlfg.com.br
** Colaborou: Mariana Cury Bunduky – Advogada e
Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes
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