sábado, 14 de julho de 2012

APAC - sistema inspirado em modelo de Nova York

Sistema de segurança em Minas é inspirado em modelo de Nova York

Na entrevista coletiva a seguir, o secretário estadual de Defesa Social, Maurício Campos Júnior, explicou as mudanças feitas no Estado para que os índices de criminalidade voltassem aos patamares de uma década atrás e disse que o sistema foi inspirado no modelo Compstat (em inglês, Comparative Statistics), que foi adotado em Nova York e baixou a criminalidade na cidade americana em 60%.

Boletim eletrônico
"Foi criado um registro de evento de Defesa Social, que é uma espécie de boletim eletrônico. Ele é preenchido no mesmo padrão tanto pela Polícia Militar quanto pela Polícia Civil. Isso é importante para a melhora das estatísticas e levou à criação do mapa de georreferência, que junta o registro eletrônico com os dados da delegacia especializada em homicídios [de Belo Horizonte]. É o dado mais confiável que a gente possui".

Alguns diziam que podia estigmatizar lugares, que poderia ter um efeito colateral, e, talvez por esse pretexto, ninguém nunca divulgava. Em Minas, nós entendemos que era o caso de ver que benefício tinha.

Eu acho que a visibilidade que o dado traz pode alterar a realidade do lugar. Em vez de você ter um lugar que as pessoas evitam, tem um lugar que precisa modificar. Você joga luz em uma região para que uma série de políticas seja incorporada. Não só com polícia, mas com mobilização da comunidade e da prefeitura. Deve ser uma contribuição tanto para o sistema quanto para a comunidade, mas se a gente sentir que não é, damos um passo atrás".
  • Reprodução
  • O mapa pode ser aproximado e é capaz de mostrar em que rua foi cometido o crime
O mapa tem dez dias, mas já dá para perceber certa mobilização em torno das áreas mais vulneráveis indicadas pelo georreferenciamento [que por enquanto só está disponível para a capital]. Ficou claro que boa parte dos homicídios está situada na área de divisa com outros municípios. São áreas onde há um limbo, falta presença do Estado. Pretendemos expandir o mapa para a região metropolitana, porque ela concentra quase metade dos homicídios de todo o Estado.

Acho que as polícias também podem mudar de atitude e ser influenciadas pelos dados, já que elas são as mais cobradas. A gente percebe uma agitação".

Software

"A Defesa Social está terminando de criar um software capaz de fazer uma consulta imediata a todos os bancos de dados e cruzar informações. A partir disso será possível estabelecer redes, gangues e alvos, por exemplo.

Com essa ferramenta, já conseguimos diagnosticar que 4% do território somado de Belo Horizonte, Betim, Contagem, Santa Luzia, Vespasiano, Ibirité e Sabará concentra um terço dos homicídios. Então, você pode focar ali e reduzir ainda mais os homicídios.

Os dados são unificados e pode ser acessados conforme certos níveis de acesso. Por exemplo, um comandante de polícia ou um delegado pode fazer cruzamento com o sistema penitenciário".

Parceria Público-Privada
  • Na Apac de Santa Luiza, porteiro Waldenei Ramos, condenado por roubo, destranca o cadeado
      
"Nós construímos muitas vagas, mais de 27 mil. Mas a taxa de encarceramento aumentou em mais de 100%, porque as políticas têm trabalhado melhor. Ainda temos um déficit no Estado em torno de 12 mil vagas.

Estamos fazendo a PPP [Parceria Público-Privada]. É a primeira do país. Não vai zerar o déficit, mas serão mais 3.000 vagas em 24 meses.

Na verdade, nosso foco são as Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados), cujo foco é a reintegração.

Nesse modelo, o Estado interfere pouco. Não há agentes e os presos é que são os responsáveis. Há uma espécie de acordo, no qual eles se comprometem a uma série de coisas e não fogem dessa responsabilidade. O preso tem a chave da cadeia, ele que abre a porta. Então, surgem situações delicadas, por exemplo, se um deles precisa ir ao médico. Ele vai com uma escolta feita pelos outros presos. Os dois vão juntos e voltam juntos. Se um fugir, fica mal para o colega. São laços que se estabelecem. Óbvio que se ele quiser fugir, ele vai fugir. Mas o índice de fugas é muito baixo.

São mais de 1.000 vagas nessa metodologia. Não alcançamos ainda o ponto de equilíbrio, mas acho que estamos caminhando para isso".

O modelo
"A realidade de Minas Gerais não era muito diferente da realidade de outros Estados. Havia uma segurança pública bastante fragmentada, improvisada e muitas vezes limitada aos esforços das polícias militar e civis.

Rompemos com esse modelo ao extinguir as Secretarias de Estado de Segurança Pública e de Justiça e criar a Secretaria de Estado de Defesa Social, que elevou a condição dos órgãos autônomos --polícias civil e militar, bombeiros, defensoria pública e toda a estrutura de defesa-- a de órgãos integrantes do sistema de defesa social.

Ou seja, a segurança pública ganhou uma condição superior à noção de combate ao crime com repressão policial e alcançou no conceito, mais abrangente, de prevenção, de contenção e ressocialização de presos. Um modelo sistêmico de segurança pública".

Integração

"O papel da Secretaria de Defesa é articular os órgãos autônomos. Não que ela tenha uma superposição hierárquica sobre os demais, cada órgão tem a sua autonomia do ponto de vista administrativo, mas a ela articula os coordena.

Da compreensão e da percepção de que a criminalidade e a violência deveriam ser atacadas de maneira sistêmica, e não com esforços e ações isoladas de cada corporação, veio o processo de integração das ações e das informações. Investiu-se no compartilhamento de informações para consolidação de uma única informação de inteligência.

Para isso, foram adotadas algumas estratégias. Uma delas foi a de criar a governança colegiada. Semanalmente, a cúpula dos órgãos se reúne. Ou seja, o comandante geral da Polícia Militar, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, o chefe da Polícia Civil, o secretário de Defesa Social, além de membros da administração prisional, da administração sócio-educativa e da defensoria pública. Nessas reuniões, são estabelecidas as estratégias que vão orientar os desdobramentos da política de segurança pública em cada corporação durante a semana".

Corresponsabilidade

"Outro ponto fundamental no processo de integração foi a divisão do Estado em 17 regiões. Em cada uma delas, existe um comandante regional da Polícia Militar e um chefe da Polícia Civil. Abaixo deles, tem um comandante de batalhão e um delegado regional. E no menor nível, tem um comandante de companhia e um delegado. Essa divisão tem permitido estabelecer cobranças, acordos e ajustes, porque na área há uma corresponsabilidade territorial das corporações em vários níveis. Esse mapeamento foi inspirado no que se pratica em Nova York (EUA).
  • Fabiana Uchinaka/UOL
  •  O secretário encabeça a reunião da governança colegiada, que reúne a cúpula das polícias, dos bombeiros, da defensoria e dos sistema prisional
A cada três meses, são realizadas reuniões nas quais os delegados e os comandantes, mediados pela secretaria, apresentam as características da região, mostram as estatísticas dos crimes, apontam os motivos da criminalidade e estabelecem juntos metas para os próximos três meses, seja com iniciativas em cada corporação, seja em ações conjuntas.

Por exemplo, eles identificam responsáveis pela criminalidade local, priorizam inquéritos policiais, elegem alvos e estabelecem policiamentos em horários e dias diferentes.

Na nova reunião, é monitorado o que foi feito em relação ao que tinha sido combinado. Também são estabelecidas novas metas, que se não forem cumpridas devem ser justificadas. As equipes ganham um bônus proporcional à meta alcançada".

Resistência

"Não sei se posso dizer que houve resistência das polícias. Acho que se você tem uma política clara, bem desenhada, com investimentos coerentes, todo o resto vem junto.

Houve uma renovação muito grande nas corporações [o efetivo aumentou de 49 mil para 60 mil policiais]. Essa política é extremamente inovadora, então é natural que as pessoas que não estivessem acostumadas a essa ideia de algum modo transferissem o bastão. Hoje, os que comandam estão na casa dos 40 anos. É uma nova geração, que tratou de implantar essa política.

Talvez houvesse rivalidade entre pessoas, mas não entre instituições. Óbvio que no passado aconteceram várias situações críticas, há um histórico de desavenças, mas não eram institucionais, eram pontuais. Houve, sim, críticas. Algumas pessoas diziam que não era uma integração, mas uma "entregação", querendo dizer que cada corporação deveria entregar aquilo que era de sua atribuição à outra.

Mas na verdade era compartilhar, visando ao resultado. E quando todos viram que chegaram os investimentos, que a política pública estava delineada e os resultados vieram, não havia mais porque resistir a política que estava dando certo.

Claro que em uma ocorrência pode haver uma indisposição entre as polícias por notoriedade, mas, de um modo geral, a polícia de Minas amadureceu. E as corregedorias têm cuidado desse assunto também".

Interesse

"Já fomos procurados por vários Estados que demonstraram interesse no modelo. No caso do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, há muita interlocução e uma intenção de estender as relações das polícias.

Com São Paulo conversamos menos, mas conversamos. Mantemos uma política de integração, principalmente em relação às áreas de divisa entre os Estados.

Óbvio que as realidades são muito distintas, então é muito difícil dizer que esse modelo tal como se apresenta é adequado a outro contexto. Cada corporação tem um momento, uma capacidade de resposta, uma logística e investimentos diferenciados. Mas as diretrizes gerais podem ser aplicadas".
Fabiana Uchinaka
Enviada especial do UOL Notícias*
Em Belo Horizonte
* A repórter viajou à convite do governo de Minas

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