Pará: presos em contêiners e sem trabalho
LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
Apesar de ocupar a 23ª posição dentre os estados
mais encarceradores do país, conforme o ranking elaborado pelo
Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz Flávio Gomes (IPC-LFG), baseado nos
números do DEPEN
(Departamento Penitenciário Nacional), a realidade carcerária do Pará não é
menos grave (ou menos cruel) do que a dos demais estados brasileiros.
O estado possui uma taxa de 157,96 presos
a cada 100 mil habitantes (sendo 11.738 presos numa população de
7.431.020 pessoas), muitos deles “depositados” em celas de contêiner, que nada
mais são do que pequenos compartimentos para guardar mercadorias (coisas). As
“celas” são enfileiradas, com uma única abertura, e suas paredes são chapas
metálicas, que tornam o calor insuportável.
As pequenas celas chegam a ser compostas de dois
beliches e cinco homens, ou até dez mulheres. Na parte de cima delas (em cima
dos presos) há grades, por onde os agentes caminham e observam os detentos. O
telhado que os protege da chuva é feito de zinco, tornando o ambiente ainda mais
quente e insalubre.
Esta foi a situação relatada pelo Mutirão
Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
realizado entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, por meio de inspeções
pessoais feitas pelos próprios juízes.
De acordo com o Relatório
do Mutirão 2010/2011, assim como no Amazonas, o percentual de presos que
aguardam julgamento no estado paraense é muito alto, havendo 6 presos
provisórios para cada 10 detentos.
A superlotação obriga que muitos presos fiquem
detidos em delegacias, onde permanecem o dia inteiro sem direito a banho de sol,
em ambientes quentes e fétidos. A falta de colchões faz com que eles tenham que
dormir em redes ou até no chão, em cima de um pano.
Na delegacia de Marituba, em Belém, 17 homens
dividem uma cela de quatro metros de cumprimento por um metro e meio de largura.
Para diminuir o calor no local, há uma mangueira de onde a água jorra o dia
inteiro em cima deles, matando sua sede e servindo de chuveiro.
O judiciário do estado é precário e considerado
negligente. A demora nos julgamentos de benefícios, recursos e reavaliação de
prisões provisórias ultrapassa o desrespeito aos detentos.
Os detentos, ademais, não têm direito ao
trabalho. Sem verbas para a remuneração, o estado não possui nenhum acordo com
empresas para empregá-los. Presos do regime semiaberto ficaram surpresos ao
descobrirem o direito de trabalhar fora do presídio, já que as poucas vagas
existentes concentram-se lá dentro.
Assim, constata-se que também no Pará a regra é a
punição bárbara com reinserção mínima (ou inexistente).
Comentários do Professor Luiz Flávio
Gomes:
A tese que estamos secundando é a seguinte: o
direito (ou melhor: o mesmo direito) não é distribuído para todos (no nosso
ordenamento jurídico vigente) de forma igual. Aos “amigos” o ordenamento
jurídico teórico e prático (direito vivente) confere (reconhece e respeita) uma
série de direitos que são negados ou reduzidos aos “inimigos” e/ou discriminados
do sistema sociopolítico, cultural e econômico.
O sociólogo e jurista Roberto Gargarella (citado
por Martín Lozada – Fuente: rionegro.com)
sublinha que “talvez se justifique deixar de pensar em ‘direitos iguais para
todos’ para passar a defender a outorga de ‘direitos reduzidos’ para certos
grupos que, intencionalmente ou não, resultam tratados de forma arbitrária, o
que significa conceber a preocupação constitucional da igualdade como uma
questão não tanto dirigida ‘a todos os indivíduos’ em geral, senão em relação a
certos grupos em particular. Isso decorre da constatação de que o direito
moderno não seria plenamente respeitoso do ideal de igualdade para todos que
proclama, já que tende injustificadamente a favorecer certos setores frente a
outros”.
O que se deve fazer para se buscar a tão sonhada
igualdade material (real, efetiva), que é prometida pelo Estado de Direito
(teórico) e negada pelo Estado de Exceção (prático)? O mesmo autor citado
(Gargarella) aponta um caminho: para favorecer a sorte desses grupos
desamparados (idosos, crianças, vítimas de crimes, criminosos e, sobretudo,
presos etc.) o primeiro passo consiste em dar-lhes a palavra, permitindo-lhes
apresentar e defender o seu ponto de vista. Uma outra iniciativa fundamental
consiste em promover uma integração mais efetiva deles na comunidade, para que
possam ser vistos como iguais ao lado dos demais membros da sociedade.
É de se notar que são medidas muito mais
executivas e judiciais que legislativas, seja porque já contamos com suficientes
regras jurídicas para assegurar o decantado tratamento igualitário (no plano
teórico as coisas não vão tão mal), seja porque o sistema representativo
clássico (parlamento), nesse momento, vive uma das suas crises mais agudas,
representada, sobretudo, pelo seu papel descarado (frequentemente) de defesa dos
interesses somente de alguns segmentos (normalmente os que financiam suas
campanhas políticas), o que o inviabiliza (ao menos tendencialmente) para ser o
porta-voz da sonhada igualdade entre todos. É muito difícil servir a dois
senhores ao mesmo tempo: aos dominantes e aos dominados. Especialmente quando se
sabe que os interesses respectivos desses grupos se apresentam, cotidianamente,
em completo antagonismo.
Diante da desigualdade evidente, não há como não
pensar em medidas destinadas a assegurar (a todos os discriminados) tutela
jurídica especial destinada a aproximar os grupos discriminados (começando pelas
vítimas dos delitos e pelos presos) dos grupos por assim dizer privilegiados. De
um modo geral, aliás, isso já vem ocorrendo na jurisprudência do STF (cotas nas
universidades, união homoafetiva etc.) e dos demais tribunais do país, salvo no
que concerne aos direitos dos presos (nesse ponto, por sinal, embora não seja o
plenamente ideal, não há como negar a dianteira da própria Corte Máxima do nosso
País).
Apesar das críticas dirigidas contra as políticas
(legislativas e jurisprudenciais) de amparo e atenção aos desamparados (cota nas
universidades, por exemplo), não parecem injustas tais iniciativas que estão
conformes à maioria das constituições civilizadas, com a jurisprudência
internacional (sobretudo do sistema interamericano) assim como com a Declaração
de Filadélfia (1944) e com o modelo do Estado Social e Democrático de
Direito.
Tudo que é feito para os grupos desfavorecidos e,
às vezes, massacrados (essa é situação dos presos) contribui para que o
princípio da igualdade não continue sendo arbitrariamente violado. Também
corrobora para a atenuação das assimetrias de poder. E que tudo isso não seja só
uma questão de retórica. A questão central é a seguinte: quais são os direitos
que as pessoas contam no momento em nascem num determinado País? De outro lado,
todas as pessoas gozam dos mesmos direitos? Se existe desequilíbrio, o que deve
ser feito para suavizar a desigualdade? No século XXI já não tem sentido ficar
repetindo o velho sistema jurídico formalista. É preciso fazer mais do que
repetir as palavras da lei e da Constituião
Acaso podría ser el inicio de una práctica
constitucional marcada tanto por el reconocimiento efectivo de esos grupos como
por la necesidad de que los poderes judiciales tomen en serio la cuestión
relativa a los “puntos de partida” de cada individuo en la sociedad. Es decir,
cuáles son los derechos que cada ciudadano hereda –o no– al nacer en un grupo
tal o cual. (Fuente: Grupos
vulnerables e igualdad ante la ley. Por Martín Lozada).
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz
Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no
blogdolfg.com.br, no twitter:
@professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.
**Advogada e Pesquisadora do Instituto de
Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes
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