Rondônia: eficientismo “versus” desumanidade
LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
Com uma taxa de 534,33 presos a cada 100
mil habitantes, Rondônia é o segundo estado mais encarcerador
do país. Constatação do Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz
Flávio Gomes (IPC-LFG), baseada nos números do DEPEN
(Departamento Penitenciário Nacional), de junho de 2011.
Rondônia, assim como os demais estados do país, também teve seus estabelecimentos penais vistoriados por magistrados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Mutirão Carcerário realizado entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011.
De acordo com o Relatório
do Mutirão 2010/2011, o judiciário eficiente do estado garante que um
processo criminal tramite em apenas seis meses e acompanha a execução das penas
dos detentos, de forma que o índice de benefícios atrasados foi o menor de todos
os concedidos pelo Mutirão, representando apenas 8,3% de 6.079 processos
analisados.
Em Rondônia também há um dos menores índices de
presos provisórios do país, já que apenas 25% do total de
8.036 encarcerados ainda aguardam julgamento.
Em contrapartida, a realidade de seus presídios é
bastante chocante.
Na Casa de Detenção de Vilhena, por exemplo, há
4,4 presos por vaga, e, em Pimenta Bueno e no Presídio Ênio
Pinheiro, o número de detentos é quase quatro vezes superior ao número
de vagas.
No Presídio de Nova Mamoré, onde o calor chega a
40 graus, há 63 presos provisórios dividindo três celas sem ventilação. Já em
Vilhena, 35 homens ocupam uma cela com capacidade para 15 pessoas, tendo de
dormir em redes e colchões que chegam a boiar no chão nos dias em que a cela
inunda. E, em razão da segurança, são proibidos os banhos de sol.
Ainda, em Pimenta Bueno, os detentos usam o
dinheiro de seu trabalho para comprar itens básicos de higiene, como papel
higiênico e creme dental.
Assim, na realidade do sistema penal rondoniense,
a eficiência jurisdicional contrasta com a deficiência carcerária.
Comentários do Professor Luiz Flávio
Gomes:
Nunca existiu (muito provavelmente) um
agrupamento humano sem a presença de pessoas vulneráveis, excluídas,
desamparadas, discriminadas. As mulheres, os escravos (tratados como coisas), as
minorias étnicas e sexuais, os incapacitados, imigrantes, as pessoas de
determinada “cor”, os menores, os velhos etc.: são setores mais vulneráveis
porque não contam (na teoria e/ou na prática) com os mesmos direitos “dos outros
normais”. Podemos incluir dentro desse grupo, sem nenhuma sombra de dúvida, os
presos (que saem das classes sociais menos favorecidas, sendo, por isso mesmo,
torturáveis, prisionáveis e mortáveis).
Os presos, sobretudo em países periféricos como o
Brasil (que nem sequer da infância e das vítimas cuida com a devida atenção),
podem até contar com regras protetivas no plano formal. Na prática, no entanto,
esse estatuto jurídico não tem nenhum (ou tem muito pouco) valor. Não fazem
parte dos amigos que integram o Estado de Direito, ao contrário, são componentes
dos “inimigos” (os hostes do direito romano) que constituem o eixo do
Estado de Exceção.
Mais grave ainda: não só estão excluídos das
regras jurídicas do Estado de Direito como são submetidos a alguns riscos
extraordinários que reduzem, ainda mais, seu precário “status” dentro da
sociedade e do ordenamento jurídico (do direito) vivenciado diariamente. Não são
sujeitos de pleno direito no plano da realidade. Na teoria muitos são os seus
direitos, previstos pelas leis, pela Constituição e pelos tratados
internacionais. Na prática, no entanto, não existe uma máquina estatal e uma
cultura social (civilizada) que assegurem a efetividade desses direitos. Uma
coisa é a lei nos livros (law in books) e outra muito distinta é a lei
em ação (law in action).
O que nossa sociedade do século XXI poderia fazer
para alterar esse panorama de desigualdade bárbara? Necessitaríamos de mudanças
jurídicas ou de mudanças nas mentalidades das pessoas e dos órgãos públicos
encarregados do assunto segurança? O que poderia ser feito no plano político
para que esses agrupamentos discriminados fossem respeitados em seus direitos?
Vivemos uma sociedade complexa, é verdade, mas tratar determinadas pessoas com
tamanho menosprezo (e nesse grupo temos que incluir as vítimas dos crimes, os
presos e até mesmo grande parcela dos policiais e dos agentes penitenciários)
contribuiria para a melhora do estágio civilizatório da nossa sociedade? Claro
que não. Se o caminho correto (do ponto de vista ético e moral) não é o que está
sendo percorrido (um caminho de discriminação e de desrespeito absoluto aos
direitos de determinados grupos), porque tanta demora em perceber o equívoco e
corrigir o rumo do destino do nosso país?
Enquanto não se iniciam ou não se notam
alterações palpáveis nos planos da filosofia, da política, da ética e da moral,
da sociologia etc., não seria o caso de começarmos a reconhecer ou admitirmos
claramente, no plano jurídico, que o princípio da igualdade está em crise
absoluta? Que, na esfera dos direitos e garantias, algumas pessoas contam com
“estatuto” distinto, ou seja, alguns contam com tratamento especial, enquanto
outros com tratamento desigual?
Não é chegado o momento de dizermos a verdade
para os acadêmicos das faculdades de direito e parar de retransmitir para eles
as velhas mentiras vindas de longa data, sobretudo desde o tempo da construção
do Estado burguês liberal (século XVIII)? Que tudo que está previsto no Estado
de Direito (na teoria) só vale para algumas pessoas, enquanto outras se acham
enquadradas nos parâmetros jurídicos (práticos) do Estado de Exceção? E que, no
nosso País, os dois se encontram devidamente estruturados e em pleno
funcionamento, com a conivência das elites e das máquinas estatais encarregadas
da segurança pública?
Todos esses questionamentos deveriam seriamente
começar a fazer parte do nosso dia-a-dia. Contamos muitas mentiras nas nossas
aulas de direito, escrevemos como verdadeiras muitas falácias. Em pleno século
XXI é impressionante a quantidade de ignorância de que está impregnada nossa
sociedade em alguns setores. Por falta de conhecimento, é incrível a quantidade
de crenças aberrantes, de magias, de superstições e de dogmas revelados por
divindades desconhecidas. Especialmente no plano da segurança pública e da
criminalidade, é impressionante a quantidade de charlatões e de doutrinas
impregnadas pelos “sensos comuns”.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz
Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no
blogdolfg.com.br, no twitter:
@professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.
**Advogada e Pesquisadora do Instituto de
Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes
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