Região Nordeste: desorganização, violência e horror nos presídios
LUIZ FLÁVIO GOMES
(@professorLFG)*
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
O nordeste brasileiro possui nove estados, os
quais, juntos, totalizam o número de 86.571 presos (de acordo
com os números divulgados pelo DEPEN
– Departamento Penitenciário Nacional, em junho de 2011).
Oito desses estados tiveram suas unidades
prisionais visitadas pelo Mutirão Carcerário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, quais sejam Alagoas, Bahia, Ceará,
Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.
O cenário encontrado nas prisões nordestinas foi
de total precariedade, onde o que prevalece é o domínio dos presos sobre os
presídios, seja de forma violenta ou até mesmo com o consentimento do Estado. No
Nordeste, a omissão do Executivo e a desordem judiciária abrem espaço para a
barbárie e o horror (Veja o Relatório
do Mutirão na íntegra).
No Alagoas, por exemplo,
62% dos presos são provisórios e faltam agentes penitenciários.
Em um dos estabelecimentos, um dos detentos encontrava-se preso por um
ano, seis meses e 21 dias a mais do que sua pena fixada. Em outra
unidade, somente em 2009, ocorreram nove mortes e foram encontrados 100
celulares.
Na Bahia, 3º estado mais
encarcerador do país, em sua maior penitenciária, construída na década
de 50, os presos dormem no chão e um preso teve sua
perna gangrenada por falta de atendimento médico. Na unidade feminina,
as presas esperam de seis meses a um ano e meio para serem levadas à
primeira audiência. Em outro presídio, a água fica disponível
para os detentos apenas por 15 minutos ao dia.
No Ceará, por sua vez,
os presos possuem armas de fogo dentro das prisões. Em um dos
estabelecimentos, somente em 2007 foram registrados 18
homicídios. Em 2009, a colônia agrícola do estado chegou a abrigar
quase 14 vezes mais detentos do que sua capacidade. Há ainda
presos que cumprem pena superior à que lhes fora imposta e
detentos que a justiça não sabe sequer onde estão detidos.
Já no Maranhão, em uma das
unidades, 224 presos ocupam um espaço repleto de lixo e restos de
comida, destinado, na verdade, para 85. Entre 2010 e 2011 foram
registradas 43 mortes em um dos presídios do estado, onde ocorrem
decapitações de detentos, que depois de mortos, têm suas cabeças
penduradas nas grades. Até um olho humano já foi jogado para
fora das celas como forma de negociação.
A Paraíba carece de
três mil vagas em seus estabelecimentos penais. Em um dos
presídios, os presos fazem uso da mesma água que desagua no esgoto.
Em outra unidade, o fornecimento de água ocorre por apenas 8
horas ao dia. Em mais uma, um dos presos cumpria o dobro da
pena que lhe fora imposta.
Em Pernambuco, os
próprios presos possuem as chaves das celas, comercializam comida e controlam
quem entra e quem sai. Um dos detentos, em geral processado por
homicídio, recebe um salário do Estado para impor ordem aos
demais. Em um dos estabelecimentos, foram encontrados 2.363
presos num local planejado para 426. E, 85% dos 18,3 mil
processos analisados pelo Mutirão não continham o cálculo da pena dos presos.
No Piauí, 72% dos presos são provisórios,
a superlotação chega a ser de 2 a 3 presos por vaga e muitos detentos
encontravam-se submetidos a prisões ilegais. No judiciário,
faltam varas criminais especializadas no interior, e nas demais não há controle
sobre os processos criminais, nem prioridade para os acusados presos.
Finalmente, no Rio Grande do Norte, um ato
do Executivo transformou as antigas delegacias de Polícia em Centros de
Detenção Provisória, sem qualquer reforma ou adaptação. Em uma das
unidades, crianças recém-nascidas ficam presas junto com as mães em
celas comuns e superlotadas. Em outra delas, convivem detentos
comuns, doentes mentais e devedores de pensão alimentícia.
Também no Nordeste, como se vê, o caos e a
ilegalidade são marcas de seus sistemas carcerários. A precariedade atrelada ao
descaso registra um total abandono por parte de suas respectivas
autoridades.
Comentários do Professor Luiz Flávio
Gomes:
No “Informe sobre os direitos humanos das
pessoas privadas da liberdade nas Américas”, divulgado pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos no dia 10.05.12, constatou-se a absoluta
inadequação da estrutura física dos presídios (em geral), o que acabou gerando
360 mortes no presídio de Comayagua, em Honduras. Tal como ocorre também no
Brasil (vide acima um rápido retrato da região nordeste), lá havia distinção
entre os presos privilegiados (que contam com celas melhores, onde recebem
visitas familiares) e os não privilegiados (que são depositados em lugares
inóspitos e insalubres). De acordo com a inspeção da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos as autoridades carcerárias de Honduras foram “manifestamente
negligentes”. Aliás, essa mesma negligência se constata em relação aos presídios
brasileiros. Grande parte dos presídios das Américas não contam “monitoramento e
fiscalização”, imperando-se a “arbitrariedade e a corrupção”. Os presídios das
Américas são violadores dos direitos humanos e definitivamente “não cumprem sua
função de ressocialização do preso à sociedade”. Superpopulação, deficiências
estruturais e arquitetônicas e altos índices de violência e de corrupção, para
além da falta de controle que deveria ser exercido pelo Estado, são a marca
registrada desses estabelecimentos penais. Para não ir longe, basta ler (acima)
o que sintetizamos sobre os presídios da Região Nordeste do Brasil.
Do citado Informe (publicado em
Washington, pela OEA) ainda consta que “o emprego da tortura para fins de
investigação criminal” e o “uso excessivo da força e da prisão preventiva” são
outros dados negativos constatados. Os grupos vulneráveis, incluindo-se neles os
presidiários (e também se poderia estender às vítimas), são os mais afetados,
não existindo programas laborais e educativos nos presídios, que são governados
pela violência e pela corrupção.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz
Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no
blogdolfg.com.br, no twitter:
@professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.
**Advogada e Pesquisadora do Instituto de
Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes
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