Ceará: precariedade, violência e desordem nos presídios
LUIZ FLÁVIO GOMES
(@professorLFG)*
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**
Com uma taxa de 200,36 presos a cada 100
mil habitantes, o Ceará é o 18º estado mais encarcerador do
país (constatações do Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz
Flávio Gomes, com base nos números do DEPEN
– Departamento Penitenciário Nacional, de junho de 2011).
De acordo com as inspeções realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
no Mutirão Carcerário realizado entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, o
cenário prisional do estado é de ilegalidade, desorganização e
insegurança.
O Relatório do Mutirão 2010/2011 apontou que, um dos pavilhões do Instituto Penal Paulo Sarasate, construído na década de 70 e chamado de “Selva de Pedra”, está em ruínas, abrigando mais de 700 detentos, muitos deles de alta periculosidade. Na unidade, os presos possuem armas de fogo, que escondem nos buracos existentes no prédio.
No mesmo estabelecimento, onde o número de
agentes é insuficiente, foram registrados 18 homicídios somente em
2007. E, em razão da falta de controle da direção do presídio,
é necessário estar acompanhado da tropa de choque ou de polícia de elite
para neles adentrar com segurança.
Por todos esses motivos, o Mutirão Carcerário
teve de interditar o estabelecimento. Do mesmo modo procedeu
com a Colônia Agropastoril do Amanari que, em 2009, chegou a abrigar 1.678
internos, quase 14 vezes mais do que sua capacidade, e
encontrava-se em condições de abandono e precariedade.
No Presídio Paulo Oliveira II, para poder entrar,
os juízes assinaram um termo de responsabilidade, pois existiam presos armados
também nesta unidade. Cenário de insegurança, que facilitou a fuga de
dez presos de alta periculosidade do presídio, encontrados dois
meses antes da vistoria.
O judiciário do estado, por sua vez, é
moroso e desorganizado. Muitos detentos ficam presos
por tempo superior às suas penas, há mais de um processo de execução
para um mesmo detento e há presos que a justiça não sabe sequer onde
estão detidos.
Dessa forma, os resultados do Mutirão Carcerário
2010/2011 no Ceará foram a soltura de quase 20% de seus detentos (presos
irregularmente), a interdição de estabelecimentos derrocados e a constatação da
incoerente vulnerabilidade da segurança pública frente aos condenados.
Comentários do Professor Luiz Flávio Gomes:
Constitui um truísmo (verdade aceita por todos)
afirmar que os presídios brasileiros não estão preparados para produzir efeitos
positivos no preso, ao contrário, eles pioram o encarcerado, sendo assim
dessocializadores (embrutecedores). Mas uma coisa é certa: os presídios são
necessários. Há crimes violentos que justificam o encarceramento. As pessoas que
representam sério perigo para a convivência em sociedade não podem ficar em
liberdade. A prisão é um mal necessário nas sociedades constituídas de serem
humanos imperfeitos (dizia uma proposta político-criminal alemã).
Não somos abolicionistas da prisão. Somos, no
entanto, contrários a duas coisas: (a) as prisões brasileiras são deploráveis,
abomináveis, cruéis, desumanas e degradantes (é isso que se tornou mais do que
evidente nos Mutirões Carcerários); (b) muitos dos que se encontram recolhidos
não deveriam estar dentro delas (por não terem cometido crimes violentos).
As prisões existem para o cumprimento de um
castigo em razão de um crime que afetou gravemente o direito (um bem jurídico)
de uma vítima (ou de várias vítimas). Prisão é castigo (não há dúvida). Mas
castigar não pode significar, do ponto de vista do Estado de Direito vigente,
humilhar, degradar, rebaixar, desmoralizar, diferenciar etc. Nenhuma sociedade
sobreviveria sem o controle penal das infrações mais graves. O discurso da
impunidade generalizada é anarquista (ou anedótico).
Frente às manifestações que mais seriamente
comprometem a segurança coletiva (crimes violentos, crimes organizados
destinados a praticar violência etc.) não há como afastar o encarceramento. Não
podemos ser ingênuos nem inocentes a ponto de discursar contra o fim dos
presídios. Eles são necessários para a proteção de incontáveis direitos humanos
fundamentais. Mas o uso que deles estão fazendo no nosso País é totalmente
incompatível com a cultura civilizadora atual.
Uma coisa é reconhecer a necessidade imperiosa
das prisões, outra distinta é constatar o tipo de presídios que temos
(diametralmente opostos aos mandamentos jurídicos do Estado de Direito) assim
como o tipo de “clientela” que nelas se encontram. Cerca de 19% nelas estão em
razão de crimes violentos (homicídio qualificado: 7%; homicídio simples: 5%;
latrocínio: 3%; crimes sexuais violentos: 4%) – cf. nossos levantamentos
publicados no IPC-LFG.com.br. Os que mataram, os que violaram suas vítimas
sexualmente, os que representam sério perigo para a convivência social, não
podem mesmo cumprir outro tipo de castigo que não seja a prisão (respeitados os
ditames do Estado de Direito).
E os demais? E os 81% dos demais presos?
Encontram-se recolhidos por crimes patrimoniais sem morte (furto, receptação,
estelionato) , posse ou tráfico de drogas, posse ou porte de armas de fogo etc.
É aqui que existe um campo fértil para o desenvolvimento de outras políticas,
distintas do encarceramento massivo e degradante que se pratica no nosso
País.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz
Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no
blogdolfg.com.br, no twitter:
@professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.
**Advogada e Pesquisadora do Instituto de
Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes
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